quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Deficientes visuais comentam "Ensaio Sobre a Cegueira" com audiodescrição

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SYLVIA COLOMBO
Folha de S.Paulo

Pessoas pisam em fezes no chão. Uma mulher de corpo volumoso está nua, de costas, numa cama. A esposa do médico enfia a faca no barman.

"Ensaio Sobre a Cegueira" para deficientes visuais faz narração simultânea das cenas com diálogo, trilha sonora e sons
O que é mais incômodo? Assistir imagens fortes como estas, escutar sua descrição ou, simplesmente, lê-las como se encontram acima?

O DVD de "Ensaio sobre a Cegueira", adaptação da obra homônima do Nobel português José Saramago, realizada pelo diretor brasileiro Fernando Meirelles, chega ao mercado com um recurso que permite que tanto cegos como pessoas com perfeita capacidade de visão discutam a questão.
Essa técnica é a audiodescrição, que permite a melhor compreensão de um filme por parte de quem não pode ver por meio de uma narração simultânea das cenas, mesclada a diálogos, trilha sonora e sons que fazem parte da ação.
A Folha exibiu o DVD a um grupo de deficientes visuais que trabalham na Fundação Dorina Nowill, em São Paulo, ou a frequentam. Ao compositor Sérgio Sá, que é cego de nascença. E ao professor de direito internacional da USP, Alberto do Amaral Junior, que perdeu a visão aos 20 anos.
A experiência teve interesse duplo para todos. Primeiro, porque o lançamento é praticamente pioneiro no Brasil e oferece a pessoas que não enxergam a oportunidade de assistir a filmes sem precisar da ajuda de terceiros. Segundo, pelo fato de o tema central da obra ser a cegueira, ainda que com um significado alegórico.
Na história, uma misteriosa epidemia faz com que, gradativamente, a população de uma cidade perca a capacidade de enxergar. A única personagem não contaminada é a mulher de um médico --interpretada pela atriz Julianne Moore. É ela quem guia o grupo central do enredo até seu epílogo.

Na época do lançamento do filme nos EUA, uma associação de cegos sediada em Baltimore promoveu protestos ao considerar que este apresentava os deficientes como monstros.
Isso porque, na trama, o governo confina os infectados num asilo, em condições precárias de higiene e alimentação. Logo, a disputa pela comida provoca desentendimentos, seguidos de uma violência crescente, que leva a estupros coletivos e, finalmente, à guerra.
Na ocasião, Saramago reagiu contra a manifestação do grupo norte-americano, declarando que "a estupidez humana não diferencia cegos e videntes".

A audiodescrição é uma técnica nova no Brasil. O grupo responsável pelo roteiro de "Ensaio" é o Midiace (Associação Mídia Acessível), formado por acadêmicos da Universidade Federal de Minas Gerais, da Federal da Bahia e da Estadual do Ceará.
Eliana Franco, que trabalha com o tema desde 2004, é uma das responsáveis pelo texto final, ao lado de suas alunas Iris Fortunato e Avany Lima. "A regra número um é jamais interpretar, antecipar ou resumir. É preciso manter o suspense natural."
Na sessão que a Folha assistiu com os deficientes, as reações não foram diferentes das de qualquer público. As cenas de violência e sexo foram perfeitamente compreendidas.

Para quem quiser saber mais sobre o assunto acesse:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u491619.shtml

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