quinta-feira, 16 de abril de 2009

Sexualidade da Pessoa com Deficiência

1 comment
Sei que é meio comprido, mas é tão bom que vale a pena!!!!

Leandra fala sobre a sexualidade e os preconceitos e tabus sobre o tema quando estão envolvidas pessoas com deficiência

Leandra Migotto Certeza

A sexualidade faz parte da vida de qualquer ser humano, seja uma pessoa com deficiência ou não. Ela vai além do sexo, que é apenas seu componente biológico. “É muito mais do que simplesmente ter um corpo desenvolvido ou em desenvolvimento, apto para procriar e apresentar desejos sexuais”, afirma a orientadora sexual Maria Helena Brandão Gherpelli no livro “Diferente, mas não Desigual”. Está associada ao desenvolvimento da afetividade, à capacidade de entrar em contato consigo mesmo e com o outro, elementos fundamentais para a construção da auto-estima. “Nossa cultura tende a reduzir a sexualidade à função reprodutiva e genital, sem levar em conta a importância dos sentimentos e emoções decorrentes do processo educacional e de vida do indivíduo”, escreve a autora. Mas o fato é que cada um pode viver muito bem - e plenamente - sua sexualidade, de acordo com o que suas circunstâncias lhe permitem.
Porém, para a psicóloga Ana Rita de Paula, a beleza é, na verdade, uma condição biológica (e não estética). Considera-se belo o que é simétrico, e pelas leis da natureza, o simétrico tem mais chances de ser saudável, portanto é mais capaz de propagar os seus genes. A aparência física é o principal quesito para a atração, na fase inicial das relações inter-pessoais, enquanto que a inteligência e a personalidade têm uma importância secundária nesse mecanismo.

Marcela Cálamo Vaz Silva, 40 anos, professora e mãe de dois meninos, não acha que sexualidade seja uma questão a ser resolvida através de modelos pré-estabelecidos pela mídia. Aos seis anos, tornou-se paraplégica, devido a uma infecção na medula. “Desde que o mundo é mundo, o ‘belo’ sempre atrai mais, mas isso não significa que na hora de se relacionar com alguém, esse ‘belo’ seja o escolhido. Existem outros fatores importantes, que não são necessariamente ligados à estética. Se não fosse assim, não existiriam tantas pessoas bonitas solitárias. E isso tem sido cada vez mais comum de se encontrar nos dias atuais”.

O psicólogo tetraplégico (pessoa com paralisia parcial ou total das pernas e dos braços), Fabiano Phulmann, discorda de Marcela, e alerta que em nossa sociedade, a beleza física e a perfeição ainda são muito valorizadas, e maciçamente divulgadas pela mídia, fazendo-nos, erroneamente, atribuir ou restringir a sexualidade ao aspecto físico. Para ele, diante de tudo isso não é de se estranhar que as pessoas com deficiência, geralmente, venham ser consideradas ‘doentes’ e assexuadas. E que quem não tem deficiência possa sentir mal-estar na presença de quem tem uma deficiência.
Segundo o Fabiano, a deficiência pode mobilizar sentimentos ambíguos: de atração e repulsa, diretamente relacionados, ao medo que as pessoas sem deficiência têm de adquirir alguma deficiência. O grande problema é que a bióloga e especialista em sexualidade humana, Arletty Cecília Pinel aponta é que, infelizmente, as pessoas com deficiência ainda são idealizadas como seres frágeis, que possuem incapacidades múltiplas, pobres coitados de quem devemos ocultar tudo o que possa machucar. Para a equipe responsável pela pesquisa: Pessoas com deficiência e HIV/aids: interfaces e perspectivas: uma pesquisa exploratória (2009): “ainda é bastante arraigado, tanto entre familiares quanto entre profissionais e educadores, o mito de que a sexualidade das pessoas com deficiência é, por natureza, intrinsecamente problemática e até patológica. Dificilmente imaginam que essa pessoa possa, sequer, sentir desejo ou que seja capaz de se relacionar amorosa e sexualmente, casar e formar a sua família”.

‘Histórias de amor’

A sexualidade se desenvolve a partir do modo como nos enxergamos e percebemos que as pessoas nos enxergam. Embora as sensações de prazer se dêem no corpo material, a sexualidade se constrói e se expressa no corpo simbólico, ou seja, no corpo que temos em mente, na imagem que fazemos dele, nas fantasias que temos com ele. Nós conhecemos nosso corpo ao andar, ao fazer amor, aos nos lavar, do mesmo modo que o conhecemos por meio da dor, da doença e das emoções. Esta bagagem inclui experiências físicas e psicológicas, imaginárias e reais, do presente e do passado.

Muitas pessoas com deficiência só tiveram experiências distantes do prazer. Durante anos, seu corpo foi (ou é) alvo de intervenções médicas, fisioterápicas ou corretivas que não contribuem para despertar o erotismo. Ao contrário, apontam o que há de errado, diferente, que precisa ser ‘consertado’, ‘normatizado’, caso contrário será sempre um corpo doente. Como se isso não bastasse, o espelho para o mundo é um padrão de corpo perfeito. Como fica, então, a auto-estima da pessoa com deficiência? A tendência é não se achar atraente, duvidar que possa ser alvo do desejo dos outros.

Fabiano Puhlmann, conta ser freqüente as pessoas verem um homem com deficiência junto com uma mulher bonita que não tem deficiência e logo pensarem: ou é compaixão ou ele é rico. Ninguém imagina que essas pessoas tenham uma vida sexual ativa. “Uma cliente minha, que nasceu com uma deficiência, estava grávida. Ao pegar um táxi, o motorista perguntou quem foi que lhe tinha feito aquilo. Como se ela tivesse sido estuprada e não tivesse escolhido a gravidez como todo mundo, ou como se não tivesse sexualidade e não fosse fértil”.

Em pleno século XXI, ainda acredita-se que a mulher e o homem com deficiência não têm sexualidade. Eles tendem a serem vistos de forma infantilizada, a serem protegidos e cuidados - (esta postura ainda é bastante comum, especialmente com adolescentes com deficiência intelectual). Esse estigma também traz outros grandes equívocos. Por exemplo: mulheres com deficiência física, em cadeira de rodas, não podem ter filhos ou praticar o ato sexual; ou mulheres e/ou os homens cegos possuem um toque mais sensível, o que tornaria o ato sexual muito mais prazeroso. Também paira o mito de que as pessoas com deficiência intelectual são sem-vergonhas, inconvenientes, e masturbadores compulsivos, por terem uma suposta sexualidade exacerbada e sem governo. Enfim, são muitos os equívocos que precisam ser desfeitos!
A mulher com deficiência física ou motora, pode ou não ter filhos, pois não há relação nenhuma entre deficiência (seja ela qual for) e fertilidade, a não ser que a infertilidade seja ocasionada por fator externo à deficiência, assim como ocorre com mulheres sem deficiência. A mulher ou o homem com deficiência visual pode exercer sua sexualidade usando ou não o tato; assim como escolher se querem ter filhos ou não. Pessoas com deficiência intelectual podem exercer sua sexualidade, respeitando as convenções do que pode ser feito em público ou não. É importante levar esta informação às pessoas, pois quem nunca teve a oportunidade de conviver com uma mulher ou homem com deficiência, provavelmente carrega estes falsos conceitos consigo. Também é fundamental que a própria adolescente com deficiência possa reconhecer sua sexualidade. É justamente em decorrência deste auto-reconhecimento que o outro passará a enxergá-la com este atributo e como uma possibilidade amorosa.

Para Marcela: “as pessoas que têm oportunidades de terem contato com outras, têm muito mais chance de se relacionarem. No caso das com deficiência, há uma série de fatores que interferem nisso, como barreiras arquitetônicas, (que dificulta o acesso aos lugares), e os pré-conceitos daqueles que os enxergam como seres imaculados, etc. Quem não sai de casa, dificilmente conseguirá namorar ou ‘ficar’ com alguém. Mas nas comunidades do Orkut na Internet dá para sentir que as pessoas com deficiência estão buscando as mesmas coisas que as sem deficiência, inclusive relacionamentos que envolvam amor e sexo. Ninguém está à procura de cuidados, mas sim de troca, e de um companheiro (a) para viver um relacionamento em que haja, sobretudo, reciprocidade”.
Joana Belarmino, tem deficiência visual, é jornalista, doutora em Comunicação e Semiótica e professora do curso de Comunicação e Turismo da Universidade Federal da Paraíba. Para ela: "a sociedade evoluiu, material e culturalmente, e ampliou os espaços de atuação dos seus grupos. Entretanto, no cotidiano das suas práticas e costumes, aferra-se aos arquétipos primeiros da criação do sujeito humano, os quais fundamentaram ao estigma e o preconceito, fazendo com que persistissem para nós mulheres: cegas, surdas, com limitações físicas ou outras, o traço da desvantagem, da desqualificação, da desconsideração, ou da consideração de nós mesmas, a partir da supervalorização da nossa deficiência, como a falha mais visível. Isso inviabiliza uma percepção de nós mesmas, como sujeitos humanos globais".

Uma pergunta que sempre me fazem é se meu marido também tem alguma deficiência. Achavam natural, que uma pessoa com deficiência procurasse se unir a outro, cuja deficiência fosse igual ou parecida com a sua, pois assim seriam compreendidos completamente e, conseqüentemente, mais felizes. Não tenho nada contra quem se une a alguém ‘igual’ mas, o que não entendo é pensar que com o ‘igual’, a chance de ser feliz será maior. Crescemos convivendo com pessoas cujas crenças, pensamentos, cultura, limitações são diferentes das nossas. Conviver com diferenças sempre nos faz crescer, sejam elas quais forem, e a ação contrária gera discriminação, grupos fechados e guetos. Então, por que algumas pessoas com deficiência acreditam que só serão aceitas e felizes unindo-se a outras pessoas com deficiência?, questiona Marcela em seu BLOG: http://www.tchela.blogspot.com/. “Quando Ricardinho nasceu, minha família toda ficou festejou. Não era apenas mais uma criança na família, mas sim, ‘o filho da Marcela’. A mesma Marcela que, desde criança, despertava dúvidas sobre o futuro. Se alguém ainda se preocupava em saber se minha paraplegia faria diferença em minha vida, capacidade reprodutiva e felicidade, depois da chegada de Ricardinho isso ficou definitivamente esquecido. As dúvidas deram lugar às certezas”.
“Comecei a namorar tarde. Achava que ninguém ia me aceitar. PC se apaixona também, fica boba, e se sente mais rejeitada ainda. Vê que seus horizontes são mais impossíveis ainda. E tem muitas dificuldades em relação ao sexo. Tem algumas coisas que são difíceis mesmo. Posições e músculos que não funcionam como deveriam, outros que funcionam mais do que deveriam. Você vai fazer sexo com um apoio no braço e não consegue. Não é igual todo mundo faz. Tudo depende de uma adaptação. Tem que ter uma colaboração muito grande do parceiro, principalmente, quando se tem espasticidade, que é incontrolável. Eu não conheço outro PC casado. Eu conheço pessoas com hemiplegia e paraplegia casados, mas PC não”, desabafou Maria (nome fictício) entrevistada para o livro “Paralisado Cerebral – Construção da Identidade na Exclusão”, escrito pela psicóloga Suely Harumi Satow.
Para, a bacharel em Filosofia e Comunicação Social, e mestre doutora em Psicologia Social, Suely que possui incapacidade motora cerebral (IMC, erroneamente popularizada como PC – paralisia cerebral), geralmente, passa por dificuldades maiores do que as demais pessoas com deficiência, principalmente em relação à sua sexualidade. “Eu sei que a PC não é hereditária, mas eu tenho muito medo de ter um filho deficiente. Acho que não tenho força para ter um parto normal. Ainda sinto muita vergonha de mim mesma, e isso é o que é o difícil da aceitação pessoal”, contou Maria à Suely.

Para a psicóloga que também possui IMC, exclusão não é um estado que uns possuem, outros não. Não há exclusão em contraposição à inclusão. Ambos fazem parte de um mesmo processo – “o de inclusão pela exclusão” - face moderna do processo de exploração e dominação. O excluído não está à margem da sociedade, ele participa dela, e mais, a repõe e a sustenta, mas sofre muito, pois é incluído até pela humilhação e pela negação de humanidade, mesmo que partilhe de direitos sociais no plano legal. Segundo Suley, a inclusão pela humilhação objetiva-se das mais variadas formas, desde a inclusão pelo “exótico” até a inclusão pela “piedade” (personagem coitadinho), e não tem uma única causa. O estigma de ter uma deficiência interpenetra-se com outras determinações sociais como classe, gênero, etnia e capacidade de auto-diferenciação dos indivíduos, configurando variadas estratégias de objetivação da reificação das diferenças.

Ainda existe muito preconceito entre a união de uma pessoa com deficiência e outra sem. Sidney T. Souza e Débora K. Souza são casados há mais de 21 anos e têm dois filhos adolescentes. Débora, 43 anos é representante comercial e não tem deficiência. Sidney, 43 anos, cego total, acabou de se formar em Administração de Empresas, e é analista de sistemas. “Era comum perguntarem quando nos viam juntos se éramos irmãos. Sou moreno de olhos castanhos e minha esposa é bem clara e tem olhos verdes. Não há nada que nos faça parecer irmãos. Quando falávamos que éramos namorados alguns diziam: Parabéns! Mas no fundo questionavam preconceituosamente: “Como um cego conseguiu arrumar uma namorada? Ou como uma jovem, apesar de bonita, se dispôs a NAMORAR um CEGO?” Além disso, uma colega da minha esposa, felizmente de pouca influência e nada persuasiva, fez um comentário depreciativo ao saber que ela estava namorando comigo. O comentário foi: você está matando cachorro a grito?”.
Já para o casal Claudia Sofia Pereira e Carlos J. Rodrigues, o preconceito que enfrentaram, no primeiro momento, partiu de alguns membros da família de Carlos, que ficaram preocupados por os dois serem surdocegos. “Pensaram que não tínhamos condições de ter uma autonomia de vida há dois. Namoramos três anos, e nos conhecemos em 1994 por correspondências em Braille. Estamos casados, há 2 anos e 6 meses, e somos muito felizes. Ainda não temos filhos, mas pretendemos ter conforme Deus quiser, no máximo dois”, conta Claudia. Carlos, 48 anos, diretor de esportes do Grupo Brasil é surdo total e tem baixa visão. Já Claudia, 39 anos, é surdocega total e coordenadora da Associação Brasileira de Surdocegos. Eles têm esperança que os surdoscegos tenham um futuro melhor em relação à sexualidade, pois sabem que eles ainda sofrem muitas discriminações. Para Claudia também é muito importante que a sociedade saiba que as pessoas com deficiência têm capacidade de ter um relacionamento amoroso feliz!

A felicidade também está presente na vida de Rita de Cássia N. Pokk, 27 anos. Em 2003, casou-se com Ariel J. Goldenberg, 27 anos, também com deficiência intelectual. Ariel sempre diz que todas as pessoas com síndrome de Down têm direito de sonhar, trabalhar, casar, e se desejarem, morarem sozinhos depois de casados. “O casamento para mim representa duas pessoas que se amam muito e que tem respeito um pelo outro. Não é só amor, sexo e cama. Um casal tem que ceder em algumas coisas. Dar carinho, amor, afeto e compreensão. No casamento não deve ter brigas e nem discussão. Tem que ter é paz, harmonia e amor. Quando eu estava entrando com meu pai para casar e vi o Ariel lá na frente de terno cinza muito lindo eu senti muita emoção, porque daquele momento em diante eu ia ficar para sempre com o homem que eu amo”, conta Rita. “Quando eu vi a Rita entrar vestida de noiva de braço dado com o pai dela eu me emocionei tanto, que derramei algumas lágrimas. Agradeci a Deus, pois o meu grande sonho estava se realizando, eu ia casar com a mulher que eu amo”, confessa Ariel.


O publicitário, Hélio da Silva Pottes, e a enfermeira, Kênia M. Hubner Pottes, ambos com 52 anos, também são felizes há 18 anos. Do casamento de duas pessoas com nanismo acondroplásico, nasceu Maria Rita, 16 anos, estudante anã. “Considero a nossa sexualidade dentro dos parâmetros de normalidade. O único receio que tivemos era engravidar fora de hora, pois éramos estudantes. Então, resolvi fazer uso de contraceptivo por um tempo. Depois nos cuidávamos porque não pude continuar tomando-os por ter engordado muito. Mas alguns familiares se preocupavam com o risco de eu engravidar e gerar problemas de saúde tanto para mãe como para o bebê”, conta Kênia. Para ela, por falta de conhecimento e cultura, nossa sociedade considera muitas vezes a pessoa com deficiência ‘assexuada’. “É pura ignorância e individualismo, além de ser mais cômodo do que entender e respeitar que as pessoas, embora diferentes no seu estado físico, são muito semelhantes nos instintos e nas emoções”, conclui Kênia.

No início dos anos 80, a sexualidade, finalmente, começou a ser timidamente abordada dentro de outros contextos, como por exemplo, a adolescência, o desempenho de papéis sexuais, a gravidez e o planejamento familiar para casais com deficiência, assinala a psicóloga Ana Rita de Paula no livro: “Sexualidade e Deficiência: Rompendo o Silêncio”. Para a psicóloga, “estes estudos já revelam uma tendência, embora tênue, de elaborar uma análise mais psicossocial do que meramente orgânica e genital. No entanto, como o enfoque é desenvolver técnicas de intervenção clínica e de aconselhamento visando ao ajustamento social, ainda persiste o viés de patologizar a sexualidade e a deficiência. Só mais recentemente a abordagem psicossocial começou a assumir timidamente lugar de destaque. Então, a ênfase passou a ser colocada no direito a exercer uma vida sexual satisfatória e na possibilidade de conquistar afeto e autonomia por meio de vivências afetivo-sexuais”. O verdadeiro processo de inclusão social eficaz deve ampliar essas visões estereotipadas ao favorecer o resgate da sexualidade e da eroticidade das pessoas com deficiência. “Ser erótico é possuir a vida, a liberdade, o movimento, o calor compartilhado. A pessoa com deficiência precisa ser um homem ou mulher em busca de prazer, com responsabilidade e equilíbrio, seguros de sua capacidade de envolver o ser amado e de se apaixonar”, define o psicólogo tetraplégico, Fabiano Puhlmann.

“Depois de paraplégico, sem forças nas pernas para me manter ativo por cima de uma mulher numa relação sexual, o único jeito era ficar por baixo dela. Posição privilegiada que proporciona ao homem contemplar, reparar, ver muito mais essa pretensa captura dos interiores femininos, e concluir, de uma vez por todas, que o grande capturado é ele (...). Antes, na afoiteza de atingir a ejaculação, permanecia por cima com a cabeça afundada na cama – e o pior, de olhos fechados. Sem pernas para essa cavalgada, descobri os dois mais extensos órgãos sexuais de meu corpo: meus olhos. Apreciar o coito e admirá-lo nas minúcias da fêmea em pleno erotismo, tal cálice consagrando-se ao deixar-se penetrar: a triangular eminência do púbis exaltada pela abertura das coxas, a cintura volátil, os braços diluindo-se em gestos orgásticos e, de vez em quando, os seios abençoando-me os lábios”, escreveu o pintor João Carlos Pecci. João ficou paraplégico após um acidente de carro em 1968. Ele é autor do livro “Velejando a Vida” (editora Saraiva), onde narra sua trajetória para engravidar sua amada, que deu a luz a uma linda menina, após muito carrinho e ótimos tratamentos.
Um dos aspectos mais importantes da sexualidade, segundo o psicólogo Fabiano, é a sedução. “Para seduzir você precisa saber quais são as suas forças. Se alguém acha que não tem nenhum poder de sedução porque tem deficiência, ou se a cadeira de rodas é um peso enorme, o outro sempre vai vê-lo no papel de amigo. Desta forma fica difícil para a pessoa que não tem deficiência se envolver, pois é um horizonte novo. Ela tem ansiedades, medo, resistências. Se quem tem deficiência sabe disso, ele consegue facilitar para o outro. Se ela consegue se relacionar no meio social, passeia, tem amigos, a chance de conseguir ter um parceiro é muito grande”.

O psicólogo esclarece que pensando em uma pessoa que ficou com uma deficiência é preciso redescobrir o corpo como um todo. Há várias formas. A principal é se tocar de novo, ver as áreas sensíveis e erógenas. Explorar a sensibilidade como um todo. “Imagine uma pessoa que sentia seu corpo inteiro e de repente pára de sentir. Também é preciso usar recursos para flexibilizar os valores porque, às vezes, é preciso inverter o jeito que se observava as coisas. Caso a pessoa com deficiência seja muito ‘quadrada’, é preciso torná-la mais maleável, com cursos de dança inclusiva - nos quais as pessoas são tocadas e desenvolvem a sensibilidade - ou com a ida a sex shops. A pessoa com deficiência vai a uma loja dessas e vê o que as pessoas compram como brinquedos de masturbação, camisinhas com extensão de pênis e etc. Isso faz com que ela comece a ver o sexo de forma mais solta, com mais humor”, conclui Fabiano.


Nosso crescimento pessoal não depende só do outro, mas de nós mesmos. Lutando, aprendendo, estabelecendo relações e nos lapidando, cada um de nós pode desenhar o seu mapa do amor. A educação tem muito a ganhar com o trabalho de pessoas guiadas por mapas do amor. Educação é acolhimento, disponibilidade, prazer. Requer competência interna, para organizar a si próprio e externamente, para ir ao encontro do outro. Além de coragem para se despir de preconceitos, sobretudo na hora de lidar com pessoas, que estão fora do que é erroneamente considerado padrão em uma sociedade. Atributos como esses são fundamentais para desmistificar a sexualidade das pessoas com deficiência, e entender o que o pintor João Carlos Pecci disse:

“...a junção sexual que inclui um homem paraplégico não permite somente um maestro e uma única batuta a marcar o compasso e o andamento eróticos. Induz a uma regência diversificada: mãos que falam, lábios que percorrem, braços que inventam pernas. Multiplicar os dedos em profundas estratégias onde a rigidez de um pênis não consegue se manter com a necessária demora de um pesquisador. Dotar o toque de uma pressão quase científica, que não seja constrangedora e muito menos imperceptível (aconselha-se um treinamento numa pétala de rosas...), lastrear a boca com a avidez de um recém-nascido e a habilidade de um pistonista e deixá-la sem rédeas por onde os lábios se encaixarem com maior competência. Entro no funil do orgasmo quando me largo em êxtase, num enlevo incontido ao percorrer-me inteiro (corpo + espírito) envolvido no gozo da mulher, mesmo sem sentir o corpo dela sobre o meu”.

Leandra Migotto Certeza é jornalista com deficiência física e desenvolve o projeto em equipe: “Fantasias Caleidoscópicas”, ensaio fotográfico sensual com pessoas com deficiência. O projeto foi premiado no “6º Congresso Internacional Prazeres Dês-Organizados – Corpos, Direitos e Culturas em Transformação”, em Lima (capital do Peru), em junho de 2007; e reapresentado no “I Seminário Nacional de Saúde: Direitos Sexuais e Reprodutivos e Pessoas com Deficiência”, realizado pelo Ministério da Saúde, em Brasília, de 23 a 25 de março de 2009. Este artigo é um trecho da argumentação do projeto. Mais informações: leandramigottocerteza@gmail.com

Um comentário:

  1. Eu adorei os esclarecimentos sobre Sexualidade da pessoa com deficiencia e sua vida. Criamos muitas duvidas talvez por não conviver com essas pessoas. Procurei informações e encontrei aqui, parabéns pela matéria.

    ResponderExcluir