quarta-feira, 15 de abril de 2009

Um dia no museu: Independência ou Sorte?

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Jorge Márcio analisa o Museu do Ipiranga quanto a suas condições de acessibilidade

Tem dias que desejamos entrar em espaços onde, como no filme "Uma Noite no Museu", a história e seus personagens ganham vida e interagem, livremente, com todos os tempos e culturas.
No dia 28 de março por estar em São Paulo, para exame/tratamento de um problema de coluna vertebral, por lesão na região lombo-sacral, aproveitando esta estadia resolvi, em companhia da família, visitar um espaço desejado há muito tempo: o "Museu do Ipiranga", ou seja o MUSEU PAULISTA.
Desejava conhecer e apresentar este monumento à minha filha Isadora, em seus curiosos 8 anos, além de satisfazer um velho desejo mineiro de conhecer a história viva dos bandeirantes e da famosa pintura sobre a INDEPENDENCIA OU MORTE: o 'grito' do Ipiranga.
Minha surpresa começa com a chegada aos Jardins do Museu, onde meu imaginário, de amante da história universal, me leva aos arborescentes labirintos e chafarizes à moda dos palácios franceses, à moda de Luiz XV, mas com enormes escadarias que, se tivesse de subir ou descer, já encontraria uma intransponível barreira arquitetônica. O museu foi projetado por Tommaso Gaudencio Bezzi, e construido, entre 1885 e 1890, em pleno Brasil Imperial, em comemoração à proclamação da independência.
Ao entrar, pela lateral, que é a entrada atual e oficial, pude perceber que somos recebidos no seu Saguão Principal por duas estátuas enormes , em mármore, de nossos Bandeirantes, sendo um deles muito conhecido de nós mineiros: Fernão Dias. Esta entrada anuncia também que teremos enormes barreiras a enfrentar. Há uma bela escadaria (intransponível para pessoas com deficiências físicas), onde encontramos belíssimos jaros com as àguas de nossos principais rios, do Amazonas e Rio Negro até o Rio Paraguai.
Estive e insisti, com minha bengala, tentar a ultrapassagem destas portentosas escadas, que, descobri depois, não seriam as únicas. O Museu está dividido em três andares: o térreo, onde temos o saguão, a galeria Universo do Trabalho e ala História do Imaginário; o subsolo, onde está a loja de souvenirs, além de bustos famosos e antiguidades, algumas ligadas ao troperismo; e o andar superior, onde encontra-se a ala Universo do Trabalho e a ala Cotidiano e Sociedade, bem como o Salão Nobre que nos apresenta a tela famosa: INDEPENDENCIA OU MORTE.
Na entrada já pude constatar, após uma breve chuva vespertina, uma cena analisadora das condições de acessibilidade deste museu.

Observando, qual um 'fiscal da acessibilidade', percebi uma pessoa com deficiência que permaneceu em sua cadeiras de rodas, junto ao início da escadaria, esperando seus familiares que tinham subido para poder desfrutar de uma das melhores apresentações deste espaço histórico e cultural. Infelizmente, com toda razão, não é permitido uso de câmeras fotográficas, digitais ou filmadoras. A cena é digna de um documentário ou registro fotográfico.

Lá em cima, após vencer os muitos degraus solentes, é que encontramos uma sala com apresentação de uma brilhante revelação de como os nossos pintores idealizaram o nosso processo de colonização e de desbravamento de nossas 'selvas e selvagens', assim como a participação dos imigrantes nesse processo. Em uma sala especial podemos compreender, através uma apresentação de alto revelo e em braille, além de um audiovisual, que os nossos colonizadores e seus pintores nos traduziam, àquela época, em espaços distintos e segregados, cada um em seu lugar. Aos dominados um espaço sempre fora do centro da cena, aos índios, os 'sem-deus', uma representação marginal, não menos importante, mas como 'cópia' de nossos dominadores, o mesmo se repete com os negros escravos nas partidas das moções e idas para o interior do Brasil.
Fiz lá uma viagem no tempo e recordei as minhas afecções e desejos ligados à acessibilidade. Lembrei-me do trabalho árduo e da persitência junto ao Museu da República, o 'Palácio do Catete', no Rio de Janeiro, RJ, onde realizamos um projeto do DefNet de 'invasão criativa' com as pessoas com deficiência, de forma pioneira, como 'anti-bandeirantes' levando novos conceitos, capacitação, intervenção artístico-cultural e a bandeira do 'nós também queremos participar da História'. Foi lá entre as palmeiras imperiais que me despedi de meu filho Yuri, em 2000, em ato ecumênico, com uma intensa participação que marcava o trabalho do DefNet junto ao processo de inclusão e cultura dentro deste museu e espaço público. Afirmavamos o direito ao usufruto de um espaço onde até um presidente, Getulio Vargas, deixara sua história e suicídio como marcos do processo historico e cultural brasileiro. Buscou-se, para além da acessibilidade, uma mudança cultural e de mentalidades.
Um museu é pura Vida em ação, portanto merece e precisa de nossa ativa intervenção para sua mudança, para além do patrimônio histórico que representa.
Nesse sentido que pude revivenciar a experiência desta busca, pude constatar ao conseguir ultrapassar, com sacrifício e cansaço, a escadaria para o andar superior, onde perguntei para o segurança qual era o projeto de incluir um elevador externo para o mesmo. Constatei então que temos muito a realizar pelas políticas públicas no campo da cultura e do patrimônio, pois ele me confirmou a ausência de uma vontade política, assim como um projeto específico, para que este direito, de muitos cidadãos e cidadãs, pudesse ser realizado.
Nessa experiência pessoal é que pude constatar, mais uma vez, a necessidade de ruptura com o paradigma reabilitador/biomédico das deficiências. Pude constatar que para ir ao subsolo, onde estão os banheiros, mais uma escada se apresentava ao visitante. Ao lado há um balcão de informações,onde há uma cadeira de rodas rudimentar (tentei experimentar, mas é impossível sua locomoção para além do primeiro andar), também teria de enfrentar outra escadaria, realizar que o cansaço de um visitante com imobilidade ou mobilidade reduzida pode interferir na apreciação da beleza, da história, da arte e da conscientização sobre o que um museu pode nos oferecer. Reconheci que, ainda pensamos sobre o outro que claudica, 'manca' ou usa uma prótese/cadeira de rodas (ou outras formas de estar/sentir-se como pessoa com deficiência) como sendo ele o 'único responsável' por sua condição humana, seja temporária ou 'definitiva'.
Olhamos/sentimos, aferrados aos nossos preconceitos e paradigmas, esta diferença como 'uma falta de sorte' por ficar 'esperando' à beira da escadaria o reconhecimento de seus direitos e de sua dignidade humana. Ou seja presentifiquei e presenciei a forma sútil de exclusão, qual aquela historicamente registrada nas magníficas pinturas do museu, dos que ficam 'sem acesso' à História Oficial, quando sua visibilidade e presença quase são/tornam-se imperceptíveis, principalmente por aqueles que deveriam gerir/gerar as mudanças, já reconhecidas por Lei (e o Decreto 5296*) que não serão meras atitudes humanitárias, mas sim o reconhecimento das pessoas com deficiência e demais cidadãos e cidadãs como implicados na História e nas mudanças micro/macro políticas indispensáveis da busca incansável de um outro modo de viver e usufruir de nossos espaços 'públicos'.
Certo de que esta mensagem atingirá os que gerem o Museu Paulista, no caso a USP (Universidade de São Paulo), que sempre, acadêmicamente, buscaram, através do conhecimento e das Artes, o avanço da sociedade e sua inclusão irrestrita das diferenças, onde a INDEPENDÊNCIA E A AUTONOMIA, para além do que já foi conquistado, passem a ser o lema dos museus onde não queremos ser apenas transeuntes, passantes ou impedidos/invalidos, que só podem visitar a exterioridade concreta de um museu, perdendo-se a possibilidade de uma profunda afecção e desejo de participar, após esta visita/passeio, da transformação de nossos paradigmas e da História.
Em tempo, visitem o Museu Paulista, durante o dia (ele funciona de 3ª feira aos Domingos, das 9:00 às 17:00 hs), pois eu, aqui um contador mineiro de 'causos', digo que à noite ele ganha vida, com seus intensos personagens históricos, suas carruagens, grilhões da escravatura, bandeirantes, índios, soldados e Imperadores, e, como no filme, acaba-se correndo o risco de um grande encontro entre culturas e épocas em nosso imaginário: o dia que teremos, apesar de nossas diferenças , olhando/sentindo respeitosamente a história, um profundo respeito bioético com as diversidades/pluralidades e multiplicidades/singularidades.

* DECRETO 5296, DE 2 DE DEZEMBRO DE 2004 - regulamenta as LEIS Nº 10.048 e 10.098, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida,e dá outras providências.

http://www.defnet.org.br/

Um comentário:

  1. Eu também passei pelo mesmo constrangimento, quando ao visitar o belíssimo Museu Paulista ,fui impedida de ter acesso ao andar superior e ao subsolo, deixando de ver objetos interessantes de nossa história por ser deficiente física e não haver nem elevador e nem rampa num prédio tão magestoso. Fiz uma reclamação por escrito mas não recebi resposta alguma.

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