sábado, 20 de março de 2010

O VIGÉSSIMO PRIMEIRO DIA - CINEMA E SÍNDROME DE DOWN

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Imagem Publicada - foto do filme O Oitavo Dia (1996) onde os atores Pascal Duquenne e Daniel Auteil, nos papéis de Georges, um jovem com síndrome de down, que escapa de uma instituição e Harry, um homem solitário e divorciado, preso nas malhas de seu mundo capital, se abraçam com ternura e amizade, um dos ápices emocionais deste filme de Jaco Van Dormael, comentado abaixo.

Cinema&Síndrome de Down - Homenagem ao Dia Internacional da Síndrome de Down

"O problema é que há pessoas que nem mesmo têm uma oportunidade na vida como a que eu tive. Eu fiz este filme por elas. Sempre me considerei um portavoz, aquele que leva a bandeira do coletivo Down, porque não têm voz. Alguém tem de tê-la e isso coube a mim..."
''El problema es que hay gente que ni siquiera tiene una oportunidad en la vida como la que yo he tenido. He hecho esta película por ellos. Siempre me he considerado el portavoz, el que lleva la bandera del colectivo Down, porque no tienen voz. Alguien tiene que tenerla y me ha tocado a mí.”
PABLO PINEDA (ator premiado pelo filme Yó, también - Festival de Cinema de San Sebastián)

Aos 21 dias do mês de Março temos uma data a comemorar, difundir e respeitar. É o DIA INTERNACIONAL DA SÍNDROME DE DOWN que foi criado para para lembrar esta condição humana. É uma data para confirmar as necessárias mudanças de paradigmas, com a urgente demolição de muitos preconceitos. Comento e apresento, homenageando esta data, para os que desejam também um outro olhar sobre Down, o protagonismo e presença que vem crescendo, há alguns anos, de atores-atrizes com Síndrome de Down nas telas de cinema.
Apresento, para os que ainda não conhecem, o meu desejo de que, ao assistir ou ler sobre estes filmes e seus atores, nos estimulemos rumo a uma mudança radical na compreensão de que as deficiências intelectuais compõem uma heterogênea gama de seres humanos e sua diversidade funcional, assim como as demais pessoas. Ou seja que os princípios da Declaração de Montreal sobre as Pessoas com Deficiência Intelectual (Montreal, Canadá, 2004) se tornem os alicerces concretos para esta mudança, onde se declara que: " A deficiência intelectual, assim outras características humanas, constitui parte integral da experiência e da diversidade humana".
O título deste texto também é uma homenagem ao filme o "Oitavo Dia" (L' Hutième Jour - 1996), de Jaco Van Dormael, que revelou, pela primeira vez, um vencedor com deficiência intelectual ao Festival de San Remo em 1996. O prêmio de melhor ator do festival coube à impressionante exibição do ator belga PASCAL DUQUENNE, uma pessoa com síndrome de down, que dividiu o prêmio de melhor ator com o veterano francês Daniel Auteil. O filme traz um personagem, de nome Georges, que, logo no início comenta a criação do mundo. E, eu aqui de nome parecido e me identificando projetivamente com ele, acho que aí seria ótimo se, no 21º dia de Georges, o Criador tivesse criado somente pessoas diferentes. Seriam pessoas que foram e são associadas com a anormalidade ou a doença. Estes novos seres ou avatares, profundamente, suaves e amorosos, serão apenas singularidades. Nesse dia, em outro filme ainda não realizado, seriam criados os "seres hiper-humanos Down".
O filme Oitavo Dia foi uma das primeiras experiências que realizei na função de um 'ledor de cinema'. Ainda nos tempos em que a Audiodescrição não se firmava, ao promover debates em um Ciclo de Cinema e Deficiência: Um Olhar para Além do Olhar (1998), promovido no Instituto dos Arquitetos do Brasil, no Catete, Rio de Janeiro, pelo DEFNET. Nesse evento fui o ledor do filme 8º Dia para uma amiga cega, a mineiríssima Elizabeth Dias de Sá, que era uma das debatedoras do filme. Já exercitavamos, então, a acessibilidade como direito no campo do cinema, das comunicações e das imagens, sonhando com Georges um outro mundo e um outro modo de apresentá-lo aos nossos semelhantes, independemente de suas habilidades ou capacidades.
O personagem Harry, vivido por Daniel Auteil, nos representa, a muitos de nós considerados sem nenhuma deficiência. Ele figura e transmite na tela o homus economicus, com nossa pressa, nossa velocidade, nossas rotinas, nossos distanciamentos, e um quase atropelamento de Georges. Depois desse encontro nasce uma amizade que lhe apresenta um outro olhar sobre as pessoas com síndrome de down. Transformam-se as setas que conduziam o roteiro e rota de um executivo, suas relações humanas, capitalísticas e bancárias do que é Vida, inclusive do seu ato de esquecer dos filhos. Harry, como muitos, sofre com este distanciamento.
E se, no meio de uma chuva decide deixar aquele ser diferente e sua deficiência, é levado na direção de um Outro que lhe pertuba por sua singularidade. Ele, assim como nós meio perdido e confuso, viajante das encruzilhadas da vida, onde se encontra e desencontra com os Georges, como habitantes da nossa Babel dos afetos. Demora um pouco para que cada um possa compreender essa nova língua e cartografia afetiva que o Outro nos traz. Eu, se pudesse, apenas escreveria um fim menos doce-mortal para Georges, mas não sei se, para o diretor e roterista, é e era preciso que a doçura de um desapareçesse para que o Outro pudesse descobrí-la...
Nesse filme premiado, que já se encontra em DVD no Brasil, há uma cena memorável que faz a demolição do preconceito que por muito tempo esteve grudado nas pessoas com Síndrome de Down: ele e elas são os "mongóis", que no filme cavalgam e passeiam nas terras de Mongólia. É a derrocada fílmica de um termo que ainda, lamentavelmente, passeia no mais diversos espaços: eles e elas são "mongolóides", apenas por seu traços faciais lembrarem um povo que também esteve, historicamente, à margem na China.
Não, "não somos mongóis", disse o ator GUILLEM JIMÉNEZ, também premiado por seu desempenho no filme "León y el Olvido" (2004). Este também traz desmificações sobre o lugar e o papel social de pessoas com síndrome de Down. No filme do diretor Xavier Bermúdez são recriadas as vivências entre dois irmãos, sendo que um deles, León, é uma pessoa com deficiência intelectual. Esta história de dois órfãos traz a questão fraterna para os que têm um irmão com deficiência intelectual. A excelente participação de uma atriz, Marta Larralbe, interpretando Olvido (que em espanhol é esquecimento) que deseja ambivalente, por exemplo, que Léon seja internado, incrementa um conflito entre eles. O personagem trará ao público a tenacidade de Léon, como um irmão cujo maior desejo é apenas viver com a irmã, como muitos dos que vivenciam esta condição.
Para ampliar as possibilidades de protagonismo de atores com Síndrome de Down somente a Concha de Prata no Festival de Cinema de San Sebastián, onde o ator espanhol PABLO PINEDA, foi a estrela maior. Ele, como ator, ainda corou uma grande e magnifica parceria com a atriz espanhola Lola Duenas em um dueto de amor e afeto. Eles constroem uma dupla amorosa em Yó, También (2009). Uma alegoria das dificuldades de encontrar o amor, na qual apenas um ser despojado do temor de revelar seu desejo e intensidade pode ajudar a uma mulher, considerada normal, caminhar em direção à descoberta da imprescindibilidade do Outro em nossas vidas.
O filme de Álvaro Pastor e Antonio Naharro chegou a superar o recente premiado filme argentino "O Segredo de Seus Olhos", Oscar de filme estrangeiro, com a premiação dupla de Pablo e Duenas nesse festival. Tudo graças à comentada e vibrante atuação de Pablo Pineda. Ele, após ser premiado, afirmou carregar, com dedicação e orgulho, a bandeira de equiparação de oportunidades para os que outrora foram e ainda são considerados, inclusive por muitos profissionais, 'débeis mentais', ou pior ainda de "oligofrênicos", ou seja dotados de "pouco espírito ou inteligência" .
Por fim lhes apresento TÓMAS DE ALMEIDA que dividiu o prêmio de melhor ator do Festival de Cinema do Mundo de Montreal (2007) com Filipe Duarte, no filme "A Outra Margem". Ele, mais um ator com Síndrome de Down, surprendeu e mereceu o prêmio por sua interpretação de um adolescente que ajuda a um travesti a reencontrar o caminho para a alegria. O filme já foi exibido em circuito de cinema comercial e Mostra de Cinema de São Paulo no Brasil. O filme tem como proposta criar uma terceira margem para além do presupostos e constructos da "anormalidade/normalidade" e dos estigmas que ambos vivenciam.
Mais um filme que nos instiga a querer e desejar ir além do preconceito, morador de nossos subterrâneos, e buscar a confrontação e auto-crítica para todos os que se consideram "normais" e "sem defeitos". Ao abordar a homossexualidade, que preferiria chamar de homoerotismo do personagem, neste filme, como também na realidade, muitas vezes o principal motivo de depressão e de rejeição do personagem vivido por Filipe Duarte. E comprovar a existência da marginalização da diferença, o diretor Luis Filipe Rocha nos instiga a refletir que, junto com a Síndrome de Down, ainda estamos exilando pessoas para uma outra margem do viver.
Enfim, quisera ter a alegria de alguns cineastas e não ser, diante desses homens, apenas um espectador. Quisera estimular um cinema e um filme imaginários onde pudessemos reunir os quatro atores citados: Duchenne, Jimenez, Pineda e Almeida em uma mesma película. Talvez aí se produzisse uma obra fílmica inédita, mesmo que em formato de documentário, que nos servisse para uma profunda reflexão acerca do quanto já promovemos de marginalização, exclusão e segregação das deficiências intelectuais.
Um filme, à moda do longa-metragem "Do Luto à Luta" (Evaldo Mocarzel - 2005), onde a minha/nossa implicação fôsse(m) pura força e intensidade amorosa, transversalizada pelo desejo de um outro mundo, uma Outra Cena, um outro The End para o Futuro de todos nossos filhos e filhas. Para além quaisquer de nossas Diferenças. Com certeza não poderia ser um 'filme perfeito'...

Fonte: http://infoativodefnet.blogspot.com/



DEFICIENTE ALERTA foi criado para orientar,educar,protestar e ajudar todos com deficiência. www.deficientealerta.blogspot.com

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