quinta-feira, 13 de maio de 2010

Antes de minha cadeira

Comente!
Texto de Marcela Cálamo Vaz, cadeirante desde os seis anos de idade

Marcela Cálamo Vaz - 43 anos é mãe de dois meninos, Ricardo (11 anos) e Luís Felipe(5anos), autora do livro infantil "Rodas, pra que te quero!" e professora particular. Mantem o blog Maré (tchela.blogspot.com).

Minha mãe sempre foi exigente. Éramos em quatro irmãos quando morávamos em Santos, uma escadinha, e, bem pequeninos, já tínhamos obrigações. Eu, do alto de meus cinco anos, tinha meu dia de arrumar nosso quarto e, voluntariamente, varria um tapete “enorme” que ficava na sala, para ajudar minha mãe.
Eram outros tempos, íamos à escola e nosso tempo livre era na rua, brincando com a criançada de pega-pega, polícia e ladrão, queimada etc. Foi então que minha irmã mais velha ganhou uma bicicleta. Ela, aos seis anos, não gostava de brincadeiras de meninos, era uma mocinha. Mais adepta do “chá de boneca” do que de brincadeiras que pudessem machucar, não deu a mínima para o presente. Já eu, a moleca da casa, apaixonei-me! Foi amor à primeira vista! Ela era muito grande pra mim, mas não liguei, imediatamente enxerguei mil aventuras. Decidi aprender a andar em duas rodas. Sem ajuda, levava a bicicleta pra rua, encostava-a no muro da vizinha e, após subir num degrau do muro, sentava nela. Eu não dava a mínima para os joelhos ralados, pras tentativas frustradas nem pra possibilidade de tomar tombos ainda maiores depois de aprender a pedalar., meu objetivo já estava traçado e eu, menina teimosa, não era de desistir. Muitas tentativas e muitos tombos depois, consegui o que queria.
Como previ, vivi muitas aventuras pedalando. Minha mãe enlouquecia cada vez que eu chegava machucada depois de um tombo, mas nem as ameaças de apanhar me faziam deixar minha companheira de lado.
Quase dois anos de aventuras, então, aos seis anos e meio parei de andar. Ganhei outras rodas e, com elas, outras aventuras vieram.
Da mesma forma que teimei quando quis andar de bicicleta, continuei teimando e teimo até hoje quando decido fazer algo que pareça estar além de minha capacidade.
Quando ouço ou leio comentários do tipo “admiro a força de vocês”, especificamente a quem tem deficiência, fico irritada. É como se as pessoas com deficiência fizessem parte de um grupo mais forte e essa ”força” viesse da deficiência.
Não existe um “Kit Deficiência” que inclui força, determinação, coragem etc. Ela não qualifica ninguém, não transmite talentos especiais, nem torna ninguém melhor do que era. Muitas vezes, a adversidade nos revela, sim, características que não sabíamos possuir, mas, ainda assim, essas características já existiam, não foram adquiridas naquele instante.
Ficar cadeirante tão criança me fez amadurecer mais cedo, eu sei, mas sei também que a deficiência não me trouxe qualidades que eu já não tivesse, não me fez mais determinada nem mais boa pessoa. Esse mérito é meu e daqueles que me ajudaram na vida, não de minha deficiência.
Há pessoas que passam por situações difíceis lutando e outras se lamentando. Uns desistem diante das dificuldades, outros persistem.
Sem determinação, coragem e teimosia não se vive plenamente. Ser lutador, perseverante, determinado, não são características especificamente de quem tem deficiência, mas de todos que querem mais da vida. O medo existe sim, mas, muitas vezes, é ele que nos impulsiona adiante, pois ficar para trás dá mais medo que descobrir o que tem mais à frente. Porém, só segue adiante quem já tem espírito aventureiro, quem corre riscos, quem não se acomoda numa vida mais “segura”, e isso não vem num pacote, nasce com a gente.

Fonte: Rede Saci

DEFICIENTE ALERTA foi criado para orientar,educar,protestar e ajudar todos com deficiência. www.deficientealerta.blogspot.com

0 comentários:

Postar um comentário