segunda-feira, 17 de maio de 2010

Uma cidade acessível

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Acompanhamos a rotina de deficientes físicos paulistanos para identificar o que ainda precisa ser adaptado na capital – e os bons exemplos a seguir
Elida Oliveira

EU SOU GOLEIRO
João Lucas Dutra joga basquete com os amigos, Guilherme, Enzo e Murilo, no Colégio Dante Alighieri, onde também luta judô e pratica futebol, seu esporte favorito

João lucas dutra tem 9 anos e estuda em período integral. Goleiro do time de futebol de sua sala, o pequeno torcedor do São Paulo Futebol Clube é apaixonado por esportes. Ele também joga basquete e luta judô. Raquel Couto Amaral, de 27 anos, é empresária. No ano passado, ela e o namorado viajaram de bicicleta de São Paulo a Joinville, em um projeto educativo. Em maio, repetirão a dose, mas não o roteiro. Partirão de Pernambuco em direção a São Paulo, visitando escolas pelo caminho. Tábata Contri é uma atriz de 29 anos que também presta consultoria para empresas. Ela passa o dia na rua, indo de um lado a outro da cidade, entre testes de elenco, ensaios e visitas a clientes. Daniela Kovacs, de 30 anos, é assessora jurídica do Tribunal do Trabalho. Ela faz parte de uma comissão que desenvolve projetos para melhorar a qualidade dos serviços de atendimento ao público. João Lucas, Raquel, Tábata e Daniela estão entre os 4,5 milhões de deficientes físicos que vivem na cidade de São Paulo, segundo o IBGE.
Assim como todos os moradores da capital paulista, eles trabalham, estudam, fazem compras, namoram, vão ao cinema, ao teatro, a restaurantes, bibliotecas e bancos. A independência de que gozam, no entanto, exigiu a superação de uma série de obstáculos – típicos de uma cidade que não foi planejada para eles. “Evoluímos muito com a informação para a inclusão”, afirma Andrea Schwarz, de 33 anos, fundadora da consultoria i.Social e autora dos guias São Paulo Adaptada e Brasil para Todos. “Há 12 anos percebo melhoras significativas.”
Apenas 26% dos ônibus são adaptados e a frota de táxis acessíveis é minúscula: são 35 em toda a cidade

TRANSPORTE PARA TODOS
Boa parte desse progresso foi impulsionada pela Lei no 8.213/91, a Lei de Cotas, que obriga empresas com mais de 100 funcionários a contratar pessoas com deficiência para uma parcela de seus cargos. Com a regulamentação e as multas impostas a partir de 2003 para fazer valer a lei, esse público começou a entrar em maior número para o mercado de trabalho – e a reivindicar uma cidade que lhes permitisse transitar livremente.
Apesar da evolução apontada por Andrea, ainda há muito a fazer para que São Paulo seja efetivamente uma cidade acessível, inclusiva, onde cadeirantes, deficientes visuais e auditivos possam contar com o sistema de transporte coletivo, circular por suas calçadas, estudar em qualquer escola ou escolher em que fileira do cinema preferem se sentar. Tábata, por exemplo, só consegue cumprir seus horários entre ensaios e reuniões com clientes porque circula de carro pela cidade. “Se dependesse de transporte público, não daria tempo, porque às vezes eu tenho de atravessar São Paulo de norte a sul, e os ônibus adaptados, dependendo da linha, demoram até duas horas para passar”, diz ela.
A cidade de São Paulo tem uma frota de 15 mil ônibus, dos quais apenas 3,9 mil (26%) estão adaptados para deficientes. O decreto 5.296/04, conhecido como Lei da Acessibilidade, estabelece que qualquer veículo do transporte público de uma cidade brasileira adquirido a partir de 2004 seja acessível. Como o tempo de vida útil dos ônibus chega a dez anos, a expectativa é que, até 2014, 100% dos ônibus paulistanos estejam adaptados. A prefeitura oferece um serviço de transporte porta a porta gratuito, o Atende, dirigido apenas a pessoas cadastradas e com alto grau de redução de mobilidade. Há ainda os táxis acessíveis, mas a frota é minúscula: são 35 em toda a cidade.
Adriano Almeida, de 31 anos, sabe bem a falta que um ônibus adaptado faz. Esse técnico em sistemas mora no Jardim São Luís, na Zona Sul, e leva mais de três horas para chegar à quadra da ONG Atitude Paradesportiva, perto do metrô Sumaré, onde joga basquete. Se as vans da Ponte Orca – que ligam o trem da CPTM à linha verde do metrô — tivessem estrutura para acomodar cadeirantes como ele, o tempo de deslocamento cairia pela metade. Mas os inconvenientes não terminam aí. As estações de metrô são parcialmente acessíveis. Na linha verde, por exemplo, somente uma das saídas é adaptada. Na Estação Ana Rosa, o elevador dá acesso a apenas uma das duas plataformas. Para alcançar a outra, a única opção é a escada. Também é comum que, nos fins de semana, os elevadores sejam desligados.


VOCÊ É LINDA
Usando a Língua Brasileira de Sinais, Diego Ferrari Bruno faz um galanteio à namorada, Raquel Couto Amaral, enquanto passeiam de bicicleta no Parque Ibirapuera. Ela perdeu a audição aos 2 anos e fundou com Diego uma empresa que desenvolve projetos de comunicação voltados a deficientes auditivos

PRAIA DE PAULISTA
Pessoas com deficiência visual também enfrentam dificuldades para usar o metrô. As pistas podotáteis não indicam o sentido de cada pista de embarque. Imagine estar na Estação Sé tentando adivinhar de que lado passa o trem que segue rumo ao Jabaquara. Difícil. Daniela Kovacs, que mora no Butantã e trabalha na Barra Funda, só se sentiu segura para usar o metrô depois que o cão-guia Basher chegou para ajudá-la, há um ano e meio.
Doado pela ONG Íris, o labrador não só a ajuda a seguir na direção correta e a desviar de buracos como também desperta a atenção das pessoas para a falta de visão de Daniela, que nasceu com uma doença degenerativa na retina. “Quando eu não tinha o Basher, não arriscava fazer o trajeto do metrô até o Tribunal do Trabalho a pé, mesmo que fosse só 15 minutos andando”, diz. O problema? As calçadas.

A primeira calçada acessível de São Paulo foi feita há dois anos na Avenida Paulista. O endereço é considerado exemplar, por seu piso e sinalização adequados. A Paulista é também o modelo adotado pelo Plano Emergencial de Calçadas, projeto de autoria da vereadora Mara Gabrilli implementado em conjunto pela Secretaria da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida e pelas subprefeituras. Rotas estratégicas, que interligam os principais serviços públicos privados, foram delimitadas e têm prioridade no acesso a verbas para a reforma de suas calçadas. Do total de 740 quilômetros mapeados, 450 quilômetros (1,5% do total de calçadas da cidade) foram reformados com os custos assumidos pelo Poder Público.

Outro bom exemplo de acessibilidade apontado pelos entrevistados é o shopping. Tábata Contri recorre à “praia de paulista” sempre que precisa pagar uma conta, fazer compras ou simplesmente usar o banheiro. “Só nos shoppings eu sei que terei onde estacionar, que haverá banheiros adaptados e que o acesso aos serviços será fácil.” Neles, as vagas preferenciais são vigiadas para que outras pessoas não estacionem, os pisos são planos, há rampas e elevadores, além de faixas podotáteis para guiar quem tem deficiência visual e telefones adaptados para deficientes auditivos.
O preferido em todos os quesitos é o Shopping Villa Lobos, porque, além de toda a infraestrutura na parte de lojas e serviços, suas salas de cinema têm lugares reservados para cadeirantes nas fileiras de trás. “Os outros shoppings nos colocam lá na frente e ficamos muito próximos da tela, é desconfortável”, diz Tábata. “Acessibilidade é eu poder sentar onde quero.”


ELA NÃO PARA
Entre os ensaios do grupo de teatro e as reuniões que realiza com clientes, a atriz e consultora de acessibilidade Tábata Contri passa no Shopping Center Norte para almoçar e pagar contas. Ela também é uma das autoras do livro Inclusão – Conceitos, Histórias e Talentos das Pessoas com Deficiência

UMA RAMPA NÃO BASTA
Embora a adaptação da infraestrutura seja fundamental, o processo de inclusão das pessoas com deficiência não se encerra nela. “Só teremos uma cidade melhor se as pessoas também estiverem preparadas para receber aquelas que têm alguma deficiência”, diz Andrea Schwarz. Mara Gabrilli concorda. “A gente pode ter a cidade mais acessível do mundo em infraestrutura e ela ainda ser totalmente inacessível para quem tem deficiência, porque alguns não convivem com essas pessoas, não pensam em suas necessidades.”
A convivência é mesmo a via mais eficiente de promover a conscientização e garantir que as necessidades de todos sejam contempladas. Os amigos de João Lucas Dutra, que estudam com ele no Colégio Dante Alighieri desde o maternal, são prova disso. Embora exista uma professora assistente para, por exemplo, transferi-lo da cadeira comum para a dedicada à prática de esportes, eles ficam por perto, ajudam quando necessário e, como bons garotos, sempre dão um jeito de incluir João em suas provocações. O diretor pedagógico da escola, Lauro Spaggiari, diz que a melhor forma de inclusão é tratar a criança normalmente, sem alardear a deficiência. “Para se ter sucesso, é preciso trabalhar a ideia de que essas crianças são como as outras.”
Há 13 mil alunos com deficiência na capital paulista, segundo a Secretaria da Educação. Das 1.500 escolas da rede municipal, apenas 500 são acessíveis. Seis escolas são voltadas somente para surdos. Elas atendem alunos que precisam aprender a se comunicar na Língua Brasileira de Sinais (Libras). A ciclista do início deste texto, Raquel Couto Amaral, só conseguiu se alfabetizar frequentando uma escola especializada. Ela perdeu a audição aos dois anos, em virtude de uma infecção mal curada. “Há poucos intérpretes nas escolas regulares e vemos que crianças com deficiência auditiva estão lá, só juntas com as outras, sem incluir de verdade”, diz Raquel.
A cidade só será melhor se as pessoas estiverem preparadas para receber quem tem deficiência
A inclusão de pessoas com deficiência auditiva é um dos pontos mais delicados quando se pensa em acessibilidade. “É uma deficiência invisível”, diz Mara Gabrilli. A situação é complicada pelo fato de muitos deficientes auditivos falarem apenas em Libras, e não em português. “Por isso é importante ter intérpretes em bancos, hospitais e delegacias”, afirma Raquel. “Imagine como comunicar um acidente ou pedir ajuda?”A prefeitura implementará neste ano a Central de Libras (Celig), que instala terminais de acesso a uma central de intérpretes, nas 31 subprefeituras. Em teste até junho, o sistema será levado posteriormente a hospitais e aos demais serviços públicos.
Pouco a pouco, os espaços de lazer também se adaptam para receber todos os públicos (confira os exemplos). Em abril, o Festival Sesc de Melhores Filmes do Ano trouxe pela primeira vez 36 filmes com audiodescrição (para deficientes visuais) e legendagem (para deficientes auditivos). O recurso também é usado nas óperas do Theatro São Pedro e nas peças em cartaz no Teatro Vivo. A cada sessão teatral são oferecidos dez pares de ingressos gratuitos para deficientes visuais e outros dez para deficientes auditivos. “É uma ação de formação de público”, diz Marcelo Romoff, diretor do programa cultural Vivo em Cena.”Esperamos que outros espaços sigam o exemplo e ampliem o acesso das pessoas com deficiência às artes.”

ELES NÃO SE DESGRUDAM
Daniela Kovacs recebeu o cão-guia Basher há um ano e meio, dois dias antes de seu aniversário. Quando não estão caminhando pelas ruas, como nesta visita à Galeria Tátil de Esculturas da Pinacoteca, o labrador fica deitado aos pés da dona. “Só não pode fazer carinho. Se as pessoas o distraem, posso me machucar


Fonte: Revista Época

DEFICIENTE ALERTA foi criado para orientar,educar,protestar e ajudar todos com deficiência. www.deficientealerta.blogspot.com

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