domingo, 1 de maio de 2011
Só 20% das escolas estão prontas para todos
Degraus por todo lado e falta de rampas dificultam a vida dos estudantes brasileiros que têm uma deficiência
Desde que perdeu o movimento das pernas, após passar por uma cirurgia para remoção de um tumor na coluna, há sete meses, o estudante Willian Júnior Bernardo, de 14 anos, descobriu que suas perdas não pararam por aí. Ele já não consegue beber água sozinho na Escola estadual Joaquim Alves, em Demócrito Rocha, bairro de Fortaleza, onde cursa onde cursa o 9º ano. O bebedouro fica sobre um batente inacessível a sua cadeira de rodas.
A sede persistente, devido a um medicamento para inibir a urina frequente, é a primeira coisa de que o estudante lembra quando perguntado sobre os momentos difíceis na escola.
"Às vezes peço um copo (na cozinha) e, quando não me dão, fico com sede", afirma Willian, cuja cadeira de rodas não encaixa na mesa, na sala de aula.
Assim como Willian, milhares de crianças e adolescentes portadores de deficiências enfrentam obstáculos em suas escolas. Números do Censo Escolar de 2010 apontam que apenas 20,7% (40.420 prédios) da Educação Básica têm banheiros e vias de acesso adequadas a alunos com deficiências. Na rede pública, o percentual é ainda menor: 18%. E, na privada, é de 32,4%.
O número é baixo e, na verdade, deve ser ainda menor. O que declaram como acessibilidade às vezes é uma rampinha na entrada da escola - alerta a superintendente do Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD), Teresa Costa d"Amaral.
No Rio, direção improvisa com rampas de madeira
Para Igor Ramos da Costa, de 14 anos, aluno do 5º ano da Escola municipal Antônio Austregésilo, em Bangu, Zona Oeste do Rio, a dificuldade começa ainda no caminho para a escola.
Conseguimos, na Justiça, que um transporte traga as crianças cadeirantes, mas, se têm aula de reforço, temos que pagar a van. Em frente à escola, a calçada é cheia de buracos e não tem rampas. A entrada deles tem de ser por um local diferente das outras crianças, porque onde elas entram há dois degraus - conta sua mãe, a dona de casa Cláudia Regina da Costa.
Dentro da escola não há rampas, e a saída da direção foi improvisar: uma inclinação de madeira é removida de sala a sala. No banheiro, foi colocada uma mesa escolar com um colchão, usada para que as mães troquem as fraldas das crianças.
"Todas as escolas têm obrigação de se preparar para receber alunos especias", defende a dona de casa Patrícia Amorim, mãe de Rafaela Amorim, de 11 anos, aluna do 3º ano da Antônio Austregésilo. "Há alguns anos, fui a uma escola perto da minha casa, em Realengo, tentar matricular Rafaela. Disseram que não trabalhavam com crianças especias. Quando uma mãe ouve isso, fica deprimida".
Angústia parecida viveu o empresário José Borges, pai de Bernardo Borges, de 16 anos. O menino estuda, desde pequeno, numa escola particular, na Ilha do Governador, no Rio. Aos 6 anos, por conta de uma distrofia muscular, começou a usar cadeira de rodas. Foi o início de uma batalha de dois anos para conseguir que o colégio se adaptasse.
"O antigo diretor queria me convencer de que era mais fácil mudar meu filho de colégio. Quando mudou a direção, as coisas ficaram mais fáceis. Hoje há até um elevador", conta.
"Antes, eu era carregado em uma cadeira para subir as escadas. Tinha medo de cair e me sentia constrangido", completa Bernardo.
O presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), José Augusto de Mattos Lourenço, afirmou desconhecer os números do Censo Escolar e disse ter ficado surpreso ao saber que quase 80% das escolas não são acessíveis.
"O número é alarmante. Acho que a nossa obrigação é nos adaptarmos à legislação. Em alguns prédios é complicado fazer rampas de acesso e elevador, por serem muito antigos, mas todos têm que fazer as melhorias. A federação orienta sobre a necessidade, mas isso depende de cada unidade escolar".
Os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram uma realidade ainda pior há dez anos. Em 2000, o percentual de escolas acessíveis era de apenas 2,9%. A adequação dos prédios escolares é determinada por decreto federal.
Para a secretária de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, Claudia Dutra, apesar do percentual ainda baixo, é preciso destacar o aumento do número de estabelecimentos adaptados.
O indicador de 20% demonstra, por um lado, o desafio de manter e fortalecer políticas de inclusão escolar. E, por outro, o crescimento do número de escolas acessíveis demonstra que há uma busca do sistema de ensino de apoiar a adequação arquitetônica dos prédios.
Segundo Cláudia, desde 2004 o Ministério da Educação repassa às escolas verbas específicas para a adequação dos prédios escolares. De acordo com a secretária, o investimento, que em 2004 foi de R$ 2 milhões, passou para R$32 milhões em 2009 e R$57 milhões em 2010. Para 2011, a previsão é de R$100 milhões.
Rampas e elevadores em escolas particulares
No Rio, há exemplos de escolas particulares que, além de adequar seus prédios, tentam adotam a questão da acessibilidade como política.
A Edem, em Laranjeiras, na Zona Sul, 20% dos alunos têm necessidades especiais. Há rampas nas salas e nos banheiros. A direção planeja instalar um elevador em breve.
"Quando é necessario, fazemos adaptação de currículo e buscamos especialistas - neurologistas, fonoaudiólogos e outros que já trabalham com as crianças para, juntos, desenvolvermos o caso", explica a diretora da escola, Judy Galper.
Os irmãos Leonardo, de 13 anos, e Carolina Ayres, de 15 anos, estudam na Edem. Eles têm dificuldade de locomoção por conta de uma doença que afeta o sistema muscular. Mãe dos meninos, a advogada Fernanda Ayres conta que teve dificuldade para encontrar uma escola adequada.
"Embora sejam obrigadas a fazer as adequações, as escolas não estão preparadas, desde o ambiente escolar até a questão psicológica".
No Colégio Notre Dame, em Ipanema, três elevadores foram instalados para dar acesso a salas e outros espaços de convivência, como ginásio de esportes de biblioteca.
"É importante para aperfeiçoar nossa busca de igualdade e transformação social. Mas, não é só a escola, a sociedade toda precisa acolher naturalmente na convivência diária",afirma a diretora do colégio, irmã Leci Salete Paier.
Fonte: O Globo - Dandara Tinoco e Isabela Martin
Imagem: www.vidadeprofa.blogspot.com
Referência: Portal Mara Gabrilli
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