Crianças encantam o público em corais e bandas
Eles tocam instrumentos sem enxergar, soltam a voz sem ouvir e "cantam" sem falar. A música é um caminho eficiente para afastar o preconceito e melhorar (muito) a auto-estima de crianças e jovens com deficiência. Pelo esforço de aprender, mas também pela qualidade da música que produzem, eles têm chamado a atenção do público, que retribui com aplausos e pedidos de bis. Há grupos musicais formados por deficientes em várias cidades do país e eles se apresentam em teatros, programas de televisão, hospitais e escolas. "Hoje recebemos elogios pela qualidade musical da nossa banda e não mais pelo espanto de conseguirmos tocar", comemora a coordenadora do Grupo Surdodum, a fonoaudióloga Ana Lúcia Soares, do Centro Integrado de Ensino Especial, em Brasília.
É na batida dos tambores que o Surdodum mostra a sua música desde 1995. O grupo de percussão possui vinte componentes surdos de 15 a 27 anos, sendo três meninas nos vocais e quatro não-deficientes na parte instrumental. Nas aulas, os alunos aprendem ritmo com um trabalho corporal. Eles andam, dançam e sentem as batidas da palma, dos pés e até do coração. Também aprendem a vibração do som que produzem tocando as paredes e o chão. Por último, começam a tocar os instrumentos com a imitação das batidas. O canto do surdo é como um "samba de uma nota só" porque ele fala num único tom de voz. Não há agudo nem grave. E por não ter retorno auditivo, ele segue as orientações visuais da professora. "Quando quero que cantem com um tom agudo levanto a mão para cima e quando quero grave, abaixo", conta Ana. Ela faz arranjos nas músicas de acordo com a voz de cada integrante do vocal e mostra a letra escrita, que eles reproduzem na linguagem dos sinais. Trabalhando a respiração e a dicção, cantar melhora a voz e diminui a nasalidade, muito comum nos surdos. O repertório com mais de vinte canções, basicamente MPB, já foi tocado em mais de 300 apresentações no país. O grupo já tem um CD demonstração gravado, com o nome de Na batida do silêncio.
Mãos no lugar de vozes
Há quem cante com as mãos. Em Goiânia, há dois "corais" com deficientes auditivos. No Sinfonia das Mãos, formado por dezoito integrantes da Escola Estadual Especial Maria Lusia de Oliveira, os deficientes apresentam as músicas na linguagem dos sinais, dramatizando as letras com o som de um CD ao fundo. O sucesso do projeto deu origem a outro grupo, o Vozes de Anjo, com 24 componentes da Casa do Silêncio, instituição para deficientes auditivos. Os conjuntos possuem integrantes de 7 a 20 anos. "Utilizar a língua dos sinais para cantar e não a voz é um respeito à cultura deles e não uma imposição para que sejam ouvintes, como a grande maioria da platéia que os assiste", defende a regente Gessilma Dias dos Santos. O repertório é formado de MPB e músicas regionais.
Tocar um instrumento sem enxergá-lo e sem partitura é o que faz há quatro anos o grupo de percussão Segue-o-ritmo, da escola estadual anexa ao Instituto de Cegos do Brasil Central, na cidade mineira de Uberaba. Com trinta componentes cegos ou com baixa visão, de 6 a 50 anos, eles dão um show de ritmo. Os alunos aprendem a tocar pela audição e são comandados por apito. Quatro deles cantam. "Em cada instrumento faço uma seqüência de batidas e o aluno repete", explica o professor de música Mário Jaime Costa Andrade, o Majaca. Som no sertão
A música também ajuda na socialização dos deficientes. Em 1996, no sertão sergipano, em Nossa Senhora da Glória, a 117 km de Aracaju, surgiu a Banda Luz do Sol, que hoje tem quinze integrantes, crianças, jovens e adultos com deficiência mental e distúrbio de comportamento. O projeto foi criado como forma de estender o tratamento do ambulatório de saúde mental da região. "Os integrantes da banda encontraram uma forma de se comunicar melhor e alguns uma maneira de canalizar a agressividade", diz a musicoterapeuta Sony Regina Petris. Em alguns grupos, todos têm lugar garantido, mesmo que desafinem. O Coral Todas as Vozes, da Escola Parque, da Secretaria de Educação do Distrito Federal, conta com 360 integrantes de 10 a 50 anos, 25 deles com deficiência. O coral surgiu em 1998, quando o professor de educação musical Eduardo Sena resolveu reunir numa única apresentação coristas com deficiência e sem deficiência de todas as classes sociais. "Quis mostrar à humanidade como ela é: diversa", diz Sena. Hoje o grupo faz muito mais. "Não é só cantar. Os alunos criam músicas, arrecadam roupas, brinquedos e comida e distribuem nas instituições em que se apresentam", completa o professor. O coral deu tão certo que Sena decidiu montar a organização não-governamental Todas as Vozes. Já está ensaiando para gravar um CD, mas ainda precisa de apoio para realizar o sonho de manter unidas todas as vozes. Uma melodia especial
Os Estados Unidos têm, desde 1974, um programa para valorizar o artista com deficiência, chamado Very Special Arts, VSA. Em 1988, o projeto chegou ao Brasil, com o apoio do Ministério da Cultura, e ganhou o nome de Arte sem Barreiras. Ele abre espaço para música, teatro, artes plásticas, literatura e dança. "Outra preocupação é profissionalizar os artistas com deficiência. São poucos ainda que conseguem viver da música", diz a diretora executiva do VSA Brasil, Albertina Brasil.
Revista Crescer
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