quarta-feira, 11 de março de 2009

Ela não ficou imóvel

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A vida de Alison Schuback mudou por causa de um carro em alta velocidade. Agora, ela vai comandar uma empresa que terá apenas funcionários com lesão cerebral


Por Leigh Buchanan

Durante a juventude, em Dallas, a norte-americana Alison Schuback era a garota perfeita de se admirar. Aos 23 anos, linda, cercada de amigos, elaborava sua tese de mestrado em terapia familiar e imaginava passar a vida ajudando os outros. Então, em 17 de outubro de 1997, um Chevy Suburban avançou um sinal vermelho e mergulhou na lateral de seu Mitsubishi Eclipse, que esperava para virar à esquerda em um cruzamento. Enquanto o carro da jovem Alison ricocheteava nos outros veículos, as fibras de seu cérebro se retorceram e rasgaram, provocando o caos na delicada rede que dá sensibilidade e mobilidade aos seres humanos. A vida de Alison mudou para sempre. Só que, para ela, a vitimização não é uma opção. "Na vida, há probabilidades e possibilidades", diz. "Antes do meu acidente, era provável que eu seria alguém importante. Hoje é apenas possível que eu seja. Por isso tenho de aproveitar todas as oportunidades."

Estamos tomando café na alegre sala de estar de sua casa. A ex-dançarina está sentada em uma cadeira de rodas elétrica e, embora seu corpo se movimente pouco, seu rosto está sempre em ação: as sobrancelhas se arqueiam, os olhos se alargam, os lábios se curvam em um sorriso enviesado. Quando Alison está parada, a única evidência de problema físico é o contorno de uma bateria abaixo de seu ombro esquerdo. Os fios atravessam seu pescoço e vão até o cérebro para acalmar seus tremores. Em certo momento, ela ergue as pernas da calça e mostra os joelhos machucados de engatinhar pelo chão do quarto diariamente - um exercício para reaprender a usar os membros.

Filha de pais empreendedores, Alison inventou, em 2002, um babador transparente e lavável para adultos com deficiência e abriu uma empresa para vendê-lo. Como muitos pequenos negócios, esta ficou sem dinheiro antes que acabassem seus cartões de visita.(...)

NASCE A ESPERANÇA
(...)No início, Alison precisava ser alimentada por alguém. Mesmo depois que ela adquiriu controle motor suficiente para levantar um talher até a boca, suas mãos tremiam e a comida caía. Para proteger sua roupa, ela usava um avental amarrado ao pescoço. Mas os deuses dos acessórios de cozinha exigem cores vivas. Todos os aventais que Alison e Michelle encontravam eram vistosos, enfeitados com estampas ou listras coloridas. O efeito era ao mesmo tempo intimidativo e cafona. (...)Alison não sabe identificar o momento em que sua vontade de encontrar um babador discreto para adultos se transformou na intenção de criar e vender um. Dinheiro certamente era um problema. A maior parte da indenização de US$ 1 milhão pelo acidente foi consumida em contas de advogados e médicos. No início de 2002, ela começou a examinar seu entorno em busca de inspiração para o projeto. "Perguntei a minha cabeleireira e ela sugeriu que o vinil era um bom material, pela facilidade de limpar", lembra. "E, é claro, tinha de ser transparente. (...). Donna contratou Karen Weatherford, uma consultora de vida de idosos e deficientes, para recrutar uma cuidadora em tempo integral. Ao conhecer melhor Alison, Karen ficou fascinada. Ela fechou sua própria firma e ofereceu-se para fabricar e comercializar o Invisibib. Em 2003, com US$ 80.000 de sua indenização para começar, Alison abriu a Independent Empowerment, para vender o babador e outros produtos especiais para deficientes. (...)Donna calcula que a Independent Empowerment fez no máximo US$ 20.000 em vendas antes de ficar sem dinheiro. Um programa da TV pública PBS sobre inventores amadores, o Everyday Edisons [algo como "inventores cotidianos"], foi a tábua de salvação. Até 3.000 candidatos aparecem em cada audição do Edisons, levando projetos rabiscados em guardanapos ou protótipos montados com fita adesiva e palitos de sorvete. Alison chamou a atenção- e não só dos membros da equipe do programa. Na plateia, naquela noite, estava Bari Fagin, diretora de relações públicas da Bed Bath & Beyond, uma das parceiras do programa. A Bed Bath tinha vendido dois produtos do Edisons em temporadas anteriores, e ela buscava ideias promissoras para a companhia. Bari ficou intrigada com o Invisibib e achou que conhecia alguém que também ficaria. Len Feinstein, copresidente e cofundador da Bed Bath, é um dos fundadores da Associação de Lesão Cerebral (Head Injury Association, ou HIA), uma entidade sem fins lucrativos com sede em Commack, Nova York. Cerca de 300 sobreviventes vivem na HIA ou frequentam seus programas diários - entre eles, o filho dos Feinstein, Barry, que foi ferido em um acidente de carro há mais de 20 anos. A organização é uma alternativa para famílias que não querem deixar seus parentes queridos - muitos deles na adolescência - em casas de tratamento. Um esquema ousado tomou forma. Liz Giordano, presidente da HIA, ficou responsável por supervisionar a criação de uma empresa sem fins lucrativos para produzir e vender o Invisibib, cuja renda irá para a HIA. A Bed Bath oferecerá o produto em suas lojas. Os babadores serão vendidos a preço de custo, incluindo os pagamentos de Alison. A nova empresa, ainda sem nome, será operada por sobreviventes de lesão cerebral traumática. Alison será assessorada por membros da equipe executiva da Bed Bath e se envolverá em todos os aspectos, incluindo decisões de marketing, alterações de fluxo de trabalho e geração de novos produtos. "Será ótimo para ela e para todo mundo ver que ela é capaz de fazer isso", diz Feinstein.

NOVO HORIZONTE

Provavelmente, o Invisibib será vendido pela internet, pela Bed Bath e outras lojas para lares de idosos e redes de assistência a incapacitados. O Invisibib terá versões para aulas de artes, para pessoas que tomam café enquanto dirigem e - a aplicação favorita de Alison - noivas ansiosas para proteger seus vestidos durante os retoques da maquiagem. A companhia vai contratar o serviço de entregas UPS para criar processos de fluxo de trabalho ideais para pessoas com limitações físicas e cognitivas. Para ter uma ideia de como serão esses empreendimentos, marquei uma visita à HIA. A lanchonete fervilha de atividade. Rodando em cadeiras de rodas e caminhando com andadores, os residentes fazem fila para pegar seus pratos de frango ao parmesão. Alguns são alegres, outros sonolentos. A lesão cerebral traumática não é uma doença e por isso não é previsível. O que essas pessoas têm em comum - e compartilham com Alison - é uma diminuição dos horizontes. Algumas têm empregos em tempo parcial fora da HIA, que executam com adaptações dos empregadores e, geralmente, com a ajuda de um treinador. A iniciativa Invisibib será diferente. Em certo sentido, será deles mesmos. Sobreviventes com lesão cerebral desempenharão funções desde rotulagem e embalagem a atendimento aos clientes, incluindo vendas e marketing. "Tenho mais pessoas que são capazes de trabalhar do que oportunidades de emprego. Provavelmente colocaremos 75 trabalhando para começar", diz Liz Giordano. "Todo mundo quer participar." Uma candidata especialmente interessada é Linda Archipolo. Em 1982, ela era estudante do quarto ano colegial e trabalhava em uma lanchonete na praça de alimentação de um shopping. Um funcionário no restaurante ao lado disparou uma pistola de pregos. O prego atravessou a parede e penetrou na cabeça da jovem. "Acho que eu poderia fazer vendas", diz Linda, uma morena extrovertida. "Alison é fantástica", diz Adriana Deliguori, uma pedestre que foi ferida em um acidente de carro em Buenos Aires. Alison, por sua vez, adoraria ter gente trabalhando para ela. "Acho que eu seria uma boa líder, forte", diz. "Todas as pessoas como eu estão fazendo os trabalhos que ninguém mais quer. O fato de meu produto dar emprego a toda essa gente em trabalhos que realmente as tornam úteis..." Ela faz uma pausa, cruza as mãos no colo e abre um sorriso suave. "Bem, seria imensurável se eu conseguisse fazer isso."

Fonte: www.globo.com

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