quinta-feira, 12 de março de 2009

Vale a pena congelar o cordão umbilical?

Comente!

Para a medicina, não há benefícios comprovados da prática, que chega a custar R$ 5 mil. Bancos privados discordam e promovem a prática como um "seguro biológico" dos pais para o bebê.


A quantidade de escolhas que um casal precisa fazer quando descobre que está esperando um bebê é enorme. Algumas são tranquilas e prazerosas, como a opção pelo nome. Outras são acompanhadas de grandes gastos, como a maternidade e as consultas médicas. Hoje em dia, um outro dilema, que também pode resultar em um grande gasto, tem sido levantado para mães e pais: vale a pena guardar o sangue do cordão umbilical do bebê? O maior problema na hora de decidir sobre isso é que há opiniões divergentes. Enquanto para os responsáveis por laboratórios privados, que oferecem os serviços, o armazenamento do sangue é comparado a um “seguro biológico”, muitas entidades médicas avaliam a prática como uma mera aposta, semelhante a práticas como o congelamento do corpo na tentativa de que ele ressuscitado no futuro, que não tem nenhuma indicação de benefício em pesquisas científicas.
A maior parte dos cordões continua sendo descartada logo após o parto em todo o mundo, mas o desenvolvimento da pesquisa com células-tronco e a descoberta de que o sangue do cordão possui uma grande quantidade delas fez com que o material adquirisse muita importância. Hoje em dia, o principal uso se dá nos transplantes de medula em casos de doenças como leucemias, linfomas e anemias graves – nesses casos, no entanto, o doador precisa ser um parente ou um estranho com código genético compatível, e não a própria pessoa. Os laboratórios privados, no entanto, promovem a utilidade da preservação recheando seus sites com relatos otimistas de pesquisas que indicam que a medicina será capaz, no futuro, de fazer as células-tronco regenerarem tecidos ou mesmo gerarem órgãos inteiros. E é justamente nesse ponto que a polêmica é maior.Para a ciência, não há benefícios comprovados “Não há nada que dê suporte científico a essa teoria de produção de órgãos e não está provado que o tipo de célula-tronco encontrada no sangue do cordão é útil para a medicina regenerativa”, afirma Luis Fernando Bouzas, diretor do Centro de Transplantes de Medula Óssea do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Bouzas explica que quase todas as células-tronco presentes no cordão umbilical são do tipo hematopoiéticas, que dão origem a células do sangue, e apenas 10% são mesenquimais – aquelas que comprovadamente têm maior capacidade de se diferenciar em células de ossos e músculos. Foi esse tipo de célula que cientistas usaram, por exemplo, para fazer uma nova traqueia com células-tronco da própria paciente na Espanha (leia mais sobre a técnica) no ano passado. “Além disso, se as células puderem, no futuro, ser usadas para curar um ataque cardíaco, por exemplo, uma criança nascida hoje só precisaria das células dentro de 60 anos, quando as técnicas para o tratamento convencional já estarão muito mais evoluídas”, afirma. Por enquanto, ainda não há um tratamento médico consagrado que utilize o sangue do cordão umbilical para beneficiar a própria criança que teve o sangue armazenado. Tudo está no campo dos experimentos. “Além de ter uma indicação limitadíssima, os transplantes de células do sangue para a própria pessoa têm efeito paliativo, e apenas prolongam a sobrevida da criança”, afirma. De acordo com um documento da Academia Americana de Pediatria (AAP), a chance de uma criança precisar das células contidas no sangue de seu próprio cordão umbilical é de apenas uma em 20 mil. A entidade também critica os laboratórios privados por abordarem os pais “em um momento emocionalmente vulnerável", vendendo a possibilidade da salvação da vida de seu filho. O fator agravante, e que gera críticas tanto no exterior quanto no Brasil, é o valor cobrado pelos serviços. Uma pesquisa feita por ÉPOCA encontrou orçamentos variando de R$ 3,5 mil a R$ 5 mil, além da taxa anual de manutenção, de cerca de R$ 600.Quando congelar é indicado A AAP recomenda que os pais só recorram a um banco privado no caso de uma mãe que está grávida ter um filho mais velho que sofra de doenças como a leucemia, por exemplo. Nesse caso, o sangue do irmão mais novo pode ser compatível com o do irmão doente e servir para salvar a sua vida. Esse é um dos argumentos mais fortes por parte dos laboratórios privados. “O fato de que a sobrevida é dobrada caso haja um grau de parentesco entre doador e receptor tem dado suporte aos pais que decidem armazenar o sangue para uso de seus familiares”, diz Karolyn Sassi Ogliari, diretora do laboratório Hemocord, sediado em Porto Alegre. As instituições privadas também defendem a prática alegando que a medicina poderá desenvolver novas utilizações para o sangue do cordão umbilical e que as células-tronco preservadas estarão livres de agressões por fatores externos, como a poluição, o tabagismo ou o efeito de drogas. E defendem os valores cobrados. “Há pais que priorizam a decoração e iluminação do quarto do bebê ou o enxoval. Por que não fazer um seguro biológico para o seu filho?”, questiona Ana Paula Moreira, diretora técnica do laboratório Criocord, de Fortaleza. A vantagem de um banco público A atividade dos bancos privados de coleta de sangue do cordão umbilical é polêmica, mas também é regulamentada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Segundo a resolução 153, de junho de 2004, os bancos privados só podem cobrar do usuário materiais e serviços, pois o sangue não pode ser objeto de comércio. Os laboratórios também têm a obrigação de “fornecer todas as informações sobre o procedimento, incluindo possíveis complicações e limitações da técnica”. A existência desses laboratórios, assim como a real utilidade de seus serviços, também não é unanimidade na comunidade internacional. Os Estados Unidos têm cerca de 30 laboratórios privados, e há apenas dois anos montou um banco público. Tanto nos EUA como no Brasil, a rede privada pode ter ganhado espaço por conta da falta de estrutura pública para armazenar o material. Atualmente há apenas quatro locais para coleta pública no Brasil – o Inca, no Rio, o hospital Albert Einstein, em São Paulo, e os hemocentros de Campinas e Ribeirão Preto, no interior paulista. Até março, mais um centro será inaugurado, em Florianópolis e, até 2012, mais sete devem fazer parte da rede Brasilcord – em Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Distrito Federal, Fortaleza, Porto Alegre e Recife. “Além disso, outros hospitais poderão se associar para trabalhar em conjunto com a rede pública, o que deve dar mais tranquilidade para os pais”, afirma Luis Fernando Bouzas. Os bancos públicos são importantes porque o sangue armazenado pode salvar a vida de pessoas que sofrem de doenças como a leucemia. Na Europa, a atuação dos bancos de sangue privados é restrita. A Itália, por exemplo, proíbe a existência deles. A França veta a venda das células, como o Brasil. Na Espanha, as famílias podem pagar um banco de sangue privado, mas o material fica disponível para o banco público. Se alguém precisar do material, a família tem que liberar, embora tenha o dinheiro gasto ressarcido. Uma solução razoável pode ser a encontrada pelo bilionário Richard Branson, principal acionista do grupo Virgin, que atua com sucesso no ramo da música, de vôos baratos, viagens espaciais e até de armazenamento de sangue do cordão umbilical. No Virgin Health Bank, algo como Banco de Saúde Virgin, os pais pagam cerca de 1,5 mil libras (R$ 5,2 mil) para armazenar o sangue do cordão umbilical de seus filhos, mas 80% das células são doadas para a empresa, que as deixa disponível para crianças carentes. Embora melhor do que os bancos puramente privados, a saída de Branson não soluciona um problema importante: como a maioria das doações é de famílias com boas condições financeiras, muitas vezes pacientes de de grupos étnicos diferentes acabam morrendo por falta de um doador compatível.
Revista Época

0 comentários:

Postar um comentário