quarta-feira, 20 de maio de 2009

De alma e corpo

Comente!


De alma e corpo



Escrito por Antonia Yamashita



Na hora do parto de Marcela - que nasceu sem o cérebro - foi o médico que chorou; comovido por trazer ao mundo uma criança que não podia chorar, nem tinha previsão alguma de sobrevivência.

Muitas vezes - e quando menos esperamos - a vida nos surpreende com seus mistérios. E, porque a vida nem sempre se explica totalmente, nos maravilhamos e reverenciamos sua infinita potencialidade. Uns chamam a isso de acaso, outros de Deus. Não importa, pois o prodígio permanece ali, à prova de desmentidos, sem margem para qualquer dúvida.No verão de 2006, Cacilda percebeu que estava grávida mais uma vez. O marido Dionísio e ela, mesmo sem planejarem mais um filho, festejaram o acontecido. A vida simples do campo, a saúde provada no trabalho duro da roça, tudo apontava para o crescimento normal da família.Dionísio foi o primeiro a receber a notícia da pediatra, após o exame pré-natal: o bebê deles não possuiria o cérebro, talvez nem chegasse a nascer. Angustiado, o agricultor omitiu isso da esposa por algumas semanas. Uma noite, após receberem visitas em casa e já na hora de dormir, Dionísio contou tudo para Cacilda e, temeroso da reação dela, perguntou o que ela desejava fazer.Cacilda literalmente entregou tudo à sua fé na vida, traduzida por sua religião. Gerou a criança do modo mais dedicado possível, como se fosse nascer perfeita. Amou aquele bebê como se nada houvesse faltando à sua integridade, esperou sua vinda como uma bênção.Na hora do parto de Marcela - esse é o nome da criança - foi o médico que chorou; comovido por trazer ao mundo uma criança que não podia chorar, nem tinha previsão alguma de sobrevivência. Ainda assim, no hospital cercaram Marcela de todos os cuidados necessários, a família inspirando uma confiança que a medicina não sabia como dar.Desmentindo todas as previsões e desafiando todo o conhecimento científico, Marcela já completou cinco meses de vida. Faz poucos dias, recebeu alta e está com a mãe numa casa cedida pela prefeitura de sua cidade, próxima ao hospital. Seu estado requer alguns procedimentos especiais, mas seu corpinho cresce e, inacreditavelmente, reage à presença e ao carinho de seus familiares...!Onde está alojada a alma humana?... Onde reside a essência da vida, dentro do nosso corpo?... Será que tudo o que sabíamos sobre fisiologia, biologia e neurociência vai ser negado por essa criança incrível, cuja ânsia de viver está superando a ausência de um órgão tão vital?...Não me atrevo a tentar desvendar esse enigma, mas ouso propor uma possibilidade que, mesmo improvável cientificamente, aponta uma luz sobre esse dilema: o amor de Cacilda e Dionísio, e dos outros filhos do casal e do velho avô de 87 anos de Marcela. Se é romântica demais, simplória demais essa explicação, então que se traga outra razão, outro fator embasado em nosso frágil saber científico, calçado em nossos poucos milênios de presunçosa sabedoria. Porque tudo isso falhou para explicar o que, até agora, permanece inexplicável.Marcela pode amar e ser amada, silenciosa e intensamente, mas deve ter uma existência efêmera. Enquanto ela puder, porém, extrair da vida o significado mais singelo e forte, seus queridos estarão lá para o partilharem com ela.E nós nos sentiremos mais humanos, se soubermos reverenciar à vida e seu amor.

Escrito por José Olympio, paranaense, 47 anos, roteirista, produtor multimídia e colunista do site e da revista Sentidos. É cadeirante, com seqüela severa de poliomielite.


Fonte: http://www.umamaeespecial.com/


DEFICIENTE ALERTA foi criado para orientar,educar,protestar e ajudar todos com deficiência. www.deficientealerta.blogspot.com

0 comentários:

Postar um comentário