domingo, 4 de outubro de 2009

Ele viu o valor dos diferentes

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Pai de um autista, o dinamarquês Thorkil Sonne abriu uma consultoria de tecnologia da informação para empregar portadores da doença. O resultado: um negócio lucrativo e preciosas lições de vida

Lars começou a apresentar os primeiros distúrbios de comportamento assim que entrou no jardim de infância, aos 3 anos. Em vez de brincar com os amiguinhos, passava horas solitariamente, entretido com os próprios brinquedos. A rotina não variava, do momento em que chegava até o sinal da saída. As palavras, antes abundantes, começaram a faltar. Seus dois irmãos mais velhos, Anders e Rasmus, de 10 e 7 anos, nunca haviam demonstrado nenhum problema de fala ou de relacionamento. Algo parecia errado com Lars.
Era início de 2000. Poucos meses depois, Thorkil Sonne e sua mulher, Annete, moradores de Copenhague, na Dinamarca, receberam o diagnóstico de seu filho: autismo. “Todos os nossos planos desabaram”, disse Sonne a Época NEGÓCIOS. O autismo manifesta-se de forma diferente em cada pessoa – por isso, é tratado como um espectro de transtornos. Mas alguns sintomas são comuns. A comunicação, a interação social e a capacidade de imaginação são sempre afetadas. Não existe cura. A pessoa nasce e morre com a doença.
Sonne começou a frequentar associações de apoio aos pais e a acompanhar atentamente o comportamento dos portadores da doença. Descobriu neles muitas habilidades. Autistas podem ser extremamente atentos e capazes de permanecer concentrados na mesma atividade por muito tempo. Também conseguem seguir instruções com facilidade e têm boa memória. Como não gostam de surpresas, percebem facilmente qualquer alteração em um padrão.
Qualidades como essas seriam úteis em diversas áreas de atividade, pensou Sonne. Mas que serviços seriam? Em que empresas estariam esses postos? Sonne pesquisou possíveis mercados de trabalho. Em 2004, quatro anos depois do diagnóstico do filho, pediu demissão da TDC, a companhia dinamarquesa de telecomunicações, e abriu uma consultoria de tecnologia da informação na sala de casa. Ele mesmo daria emprego a portadores de autismo. O nome escolhido para a empresa foi Specialisterne, ou Os Especialistas.
Foi uma ação solidária, de inclusão social, sem dúvida, mas nã apenas. A iniciativa logo se mostrou um negócio lucrativo. Em cinco anos de atividade, a empresa atingiu faturamento de 2 milhões de euros. Possui dois escritórios na Dinamarca e até o fim deste ano terá aberto filiais em Glasgow (Escócia) e em Zurique (Suíça). Seu maior cliente é a Microsoft. Dos 60 empregados, 43 são portadores de autismo. Sonne foi procurado por mais de 50 instituições europeias interessadas em implantar projetos semelhantes. Neste semestre, o caso da empresa fará parte do programa de ensino da Harvard Business School, a escola de pós-graduação em administração de Harvard. “A razão do sucesso é simples”, afirma Sonne. “Ninguém faz melhor esse trabalho do que eles.” Entre os serviços oferecidos pela consultoria estão testes e desenvolvimento de interfaces de sites e aplicativos para softwares. “Uma pessoa normal consegue checar um manual de instruções uma, duas, três vezes. Mas depois a atenção se dispersa”, diz Sonne. “Nossos funcionários conseguem pegar uma contradição entre a introdução e o último capítulo.”

PENSAR DIFERENTE

A minúcia na checagem de informação é essencial nesse setor. “Essas tarefas são desempenhadas por profissionais iniciantes”, diz Antônio Carlos Guedes Júnior, analista da Topmind, consultoria brasileira especializada em tecnologia da informação. “Falhas, infelizmente, são comuns”, diz Guedes. A taxa de erro registrada na consultoria dinamarquesa, de acordo com Sonne, é de 0,5%. Nas empresas convencionais, a média é até dez vezes maior.
Cerca de 80% dos empregados da consultoria são homens, devido à alta incidência da doença na população masculina. Têm entre 19 e 46 anos. Todos ganham salário. O expediente é de 15 horas semanais. Os escritórios assemelham-se a qualquer outro. Cada empregado tem uma mesa com computador. A diferença está no zelo com a ordem. Autistas precisam de ambientes tranquilos. Muitos serviços são prestados fora da sede. Os clientes, então, são orientados a manter o escritório em silêncio e a falar com eles sem ironia ou sarcasmo. “Autistas não conseguem filtrar o tom de uma conversa”, afirma Sonne.
Os funcionários passam por um treinamento de cinco meses. Os testes de aptidão são feitos com um robô da Lego desenvolvido com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), um brinquedo que exige atenção, paciência e lógica. As peças de encaixar vêm com um software e um motor com sensores infravermelhos. O robô pode ser programado no computador para desempenhar funções como buscar objetos. Os dados são transmitidos por Bluetooth. Sonne teve a ideia de usar os pequenos tijolos coloridos ao ver seu filho montar objetos complexos com os pinos e blocos.
A trajetória bem-sucedida da consultoria dinamarquesa deixa algumas lições. Virou lugar-comum nas empresas a valorização do trabalho em equipe. “Mas as corporações não deveriam apenas olhar para as habilidades sociais”, diz Sonne. “A diversidade também é essencial. As empresas precisam de pessoas que pensam diferente. E autistas pensam diferente.” Para eles, trabalhar tem função terapêutica. “Eles se sentem mais confiantes”, diz Sonne.
O pequeno Lars, que inspirou a Specialisterne, tem hoje 13 anos. Quando completar 18, quer trabalhar na consultoria. “Mas por dois ou três anos. Depois disso ele quer ser motorista de trem”, diz o pai. É uma tarefa complexa para os autistas, que costumam entrar em pânico quando precisam tomar decisões. Se pudesse realizar seu sonho, Lars seria um maquinista muito atento.

Fonte: Época Negócios

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