segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Pós-pólio atinge quem sobreviveu à doença

Comente!
Forçados a uma vida de tensão para superar a debilitação da poliomielite, músculos e nervos exauridos simplesmente se desgastam cedo demais

O vírus da poliomielite e seu reinado de terror na psique americana é uma história esmaecida agora. Após a introdução de uma vacina em meados dos anos 1950, milhões de pessoas suspiraram aliviadas, viraram a página e seguiram em frente. Muitas vítimas da pólio, atingidas em geral na infância, tentaram deixar a história para trás e esquecer também.
"Eu trabalhava com pessoas que nem sequer notavam meu manquejar", disse Ronald S. Hanson, de 78 anos, um banqueiro aposentado que teve pólio aos 6 anos. Ele ficou com a perna direita atrofiada, mas, segundo ele, a deficiência o deixou determinado a viver uma vida normal. "Eu não queria que eles notassem.
"Assim, quando Becky Lloyd, pesquisadora do American West Center, da Universidade de Utah, iniciou um projeto de história oral sobre a pólio, no segundo semestre de 2009, imaginou que teceria uma tapeçaria de memórias. Detalhes sobre quarentenas, unidades de reabilitação e alas hospitalares, com as fileiras de máquinas de respiração artificial que se tornaram os símbolos mais arrepiantes do ataque da doença, que atingiu o auge nos EUA em 1952.
Mas Becky logo descobriu que o passado da pólio não estava morto. Ele nem mesmo era passado. Em todas as primeiras entrevistas, as pessoas falaram sobre um legado secundário da doença, chamado síndrome pós-pólio, que voltara a atingi-los nos anos 60 e 70. Sobreviventes que haviam suportado tensores e operações décadas atrás queriam falar sobre o presente e o novo campo de batalha que enfrentavam. "Após 30, 40 ou 50 anos, foi como contrair a doença de novo", disse Becky.
A síndrome pós-pólio, reconhecida inicialmente pela ciência nos anos 80, não é tecnicamente uma doença - nenhuma bactéria ou vírus a causa, por exemplo, como ocorre com a pólio. É mais como um carro que se quebra após muitos anos de desgaste das engrenagens. Os músculos e nervos exauridos, que são forçados a uma vida de tensão para superar e compensar os efeitos debilitantes da pólio, simplesmente se desgastam cedo demais, dizem os médicos.
E, agora, a idade avançada da geração da pólio - estimadas 750 mil pessoas nos Estados Unidos - está se somando ao alcance da pós-pólio. Cerca de dois terços do sobreviventes da pólio têm mais de 64 anos, segundo Lawrence C. Becker, autor de um estudo do Post-Polio Health International, organização de defesa dos interesses dessa população. Estima-se que até 60% experimentem um abalo secundário de pós-pólio ao entrar em uma velhice para a qual poucos estavam preparados.

PÓLIOS

Alguns "pólios", como os sobreviventes se autodenominam, dizem que a pós-pólio redirecionou suas mentes para como o vírus moldou suas vidas - e aguçou suas memórias amargas. "Durante anos eu não me permitia pensar na pólio", disse Virginia Lewis Hall, professora aposentada que cresceu em uma pequena cidade ao sul de Salt Lake City e contraiu a doença aos 3 anos de idade, em 1940. "Eu sempre dizia: "eu simplesmente vou me esquecer disso"."
Virginia, de 63 anos, disse que os efeitos da pós-pólio, particularmente a deterioração dos músculos respiratórios que a obrigou a se aposentar antes do tempo e exige que ela faça inalações de oxigênio na maior parte do tempo, aprofundaram sua compreensão do mantra que seus pais lhe ensinaram durante o crescimento: que ela poderia escolher o caminho que quisesse na vida, mas que sua jornada seria diferente por causa da doença.
Em uma entrevista em sua casa, Virginia mostrou uma foto, tirada quando tinha 5 anos e estava se recuperando de uma cirurgia óssea, envolvida em uma forma de gesso branco do pescoço aos pés, as pernas enrijecidas e deslocadas por uma haste entre seus tornozelos. Na foto, seu irmão mais velho, John (também em um molde de gesso peitoral após uma operação de pólio), a segura em pé, por trás. Largos sorrisos iluminam seus rostos.
"Meu pai construiu uma armação para eu ficar em pé - ele me segurava, e eu podia desenhar e pintar", contou Virginia, descrevendo seus nove meses no gesso. Um amor pela arte se formou enquanto ela estava imobilizada, mas livre para deixar a imaginação voar. Hoje, aquarelas de paisagens pintadas durante a aposentadoria forram as paredes de casa. John morreu aos 52 anos, vítima de complicações respiratórias.

ENCOLHIMENTO

Parte do problema dos idosos sobreviventes de pólio é que, como os veteranos da Segunda Guerra ou os sobreviventes do Holocausto, seu número está encolhendo a cada ano. E, com isso, vai secando também o dinheiro para pesquisa da pós-pólio. Os médicos com experiência prática em pólio, como Jacquelin Perry - 91 anos e ainda praticando em um centro de reabilitação na Califórnia - estão desaparecendo em uma velocidade ainda maior.
Perry começou a trabalhar com pólio durante a Segunda Guerra, quando atuou como fisioterapeuta no Exército. Acompanhou alguns pacientes continuamente por 50 anos ou mais, criando gráficos de vida inteira de seu progresso e, em muitos casos, de seu declínio.
Sua conclusão sobre pólio e idade é que as pessoas que trabalharam mais para superar a deficiência, em muitos casos, foram mais atingidas pelo ataque da segunda onda, quando músculos e nervos sobrecarregados se renderam após décadas de tensão. Sua observação é respaldada por numerosos estudos. "É uso em excesso", disse Perry, em uma entrevista telefônica. "As pessoas que tentaram mais do que o normal e se esforçaram mais foram as mais atingidas pela pós-pólio." Alguns sobreviventes da pólio chamam isso de o problema "tipo A".
Superar a pólio, eles dizem, requer um trabalho imenso - se não uma obsessão - para adaptar músculos e nervos não danificados para suportarem a carga. Hanson, por exemplo, o banqueiro aposentado, contou que seu joelho esquerdo, não afetado pela pólio mas onerado por anos de carregar a maior parte do peso do corpo, arriou há cerca de 11 anos e teve de ser substituído. A perna direita afetada pela pólio, por sua vez, foi ficando cada vez mais debilitada.
"Nós seguimos uma vida inteira com as pessoas dizendo: se esforce, siga em frente", disse o professor Fernando Torres-Gil, sobrevivente de pólio e diretor do Center for Policy Research on Aging na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. "Mas isso agora é um empecilho para uma velhice feliz.
"Algumas pessoas que participaram do projeto de Utah dizem que repensar o caminho da pólio - e aceitar que a pós-pólio poderá moldar o resto de seus dias - lhes deu força. "Eu me sinto mais no controle", disse Fran Broadhead, de 78 anos, que contraiu pólio aos 6 anos, em Alberta, antes de mudar para Montana e depois para Utah.
Fran, cuja doença na infância foi relativamente branda - ela estava em pé e brincando com amigos um ano depois - acha que a fraqueza e a fadiga que começaram a afetá-la na última década eram, em grande parte, consequências da pólio. Essa não é uma questão que seus médicos podem ajudá-la a responder, já que a pós-pólio raramente é um diagnóstico formal. "Isso me facilita aceitar o que estou passado", disse ela, "e me ensina a me adaptar."

Fonte: O Estado de São Paulo

DEFICIENTE ALERTA foi criado para orientar,educar,protestar e ajudar todos com deficiência. www.deficientealerta.blogspot.com

0 comentários:

Postar um comentário