domingo, 16 de maio de 2010

A verdadeira Luciana

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Inspiradora de Manoel Carlos, autor de "Viver a Vida", na composição da personagem Luciana, a jornalista santista Flávia Cintra, 37, passou os últimos meses "ensinando" a atriz Alinne Moraes a viver em cadeira de rodas. A partir de hoje, ela será uma das primeiras repórteres cadeirantes de uma grande rede de televisão. Flávia trabalhará no "Fantástico". Tetraplégica há vinte anos, depois de um acidente de carro, ela ganhou destaque na mídia quando, como a Luciana da novela, ficou grávida de gêmeos. Abaixo, um resumo da entrevista que ela concedeu à Folha. ( Jairo Marques )

FOLHA - Como surgiu o convite?
FLÁVIA CINTRA - Fui convidada para participar de uma reportagem do "Fantástico" sobre os recursos utilizados pela Luciana na novela que facilitam a vida dos tetraplégicos. Eu disse à produtora que o programa deveria fazer mais reportagens sobre o tema, que não poderia parar na ficção. Ela disse que a decisão era do diretor. Reagi pedindo um horário com ele. O Luiz Nascimento me recebeu, me ouviu atentamente e me pediu que enviasse sugestões. Nem sonhava em me tornar repórter. Uma semana depois, ele me ligou com a proposta.

FOLHA - Fará apenas reportagens sobre deficiência?
FLÁVIA - Posso trabalhar qualquer pauta. A presença de uma repórter cadeirante num programa como o "Fantástico", ainda que apresentando reportagens sobre outros assuntos, é mais do que suficiente para transmitir essa mensagem. É uma conquista muito importante no aspecto coletivo. Tenho consciência da responsabilidade. Não temo críticas, mas é claro que ficarei feliz se sentir que fui aceita.

FOLHA - Como vai tirar a atenção do público da cadeira de rodas?
FLÁVIA - Em geral, há um estranhamento diante de um cadeirante. Eu compreendo. Quem não tem deficiência também saiu perdendo com a falta de participação dos deficientes na sociedade. Deixou-se de aprender com a diferença e de experimentar formas positivas de se relacionar. Aí a tendência é subestimar ou superestimar. Mas me coloco como igual: não sou "cadeirante jornalista", sou uma profissional que, por acaso, está numa cadeira de rodas.

FOLHA - Qual é a sensação de ser a inspiração da principal personagem de uma novela?
FLÁVIA - Sou eternamente grata ao Manoel Carlos e ainda parece que estou sonhando. Quando me ligaram da Globo para dizer que a novela abordaria o tema, eu pensei: "Meu Deus, isso vai mudar o Brasil!". Quando conheci o Maneco, vi em seus olhos o que estava prestes a acontecer. Ele é a pessoa maior que já conheci na vida. A Luciana deu forma a um sonho que parecia impossível.

FOLHA - As oficinas com a Alinne Moraes funcionaram bem?
FLÁVIA - Nossos encontros sempre foram intensos. Ela não se limitou a copiar movimentos possíveis. Ela mergulhou nas emoções de cada fase desse processo. Vimos filmes, fotos, conversamos sobre cada sentimento, cada pensamento relacionado a preconceito, comportamento, sexualidade, dificuldades e possibilidades.

FOLHA - O ibope não foi o que se esperava. O público não gostou de ver uma cadeirante?
FLÁVIA - Os resultados são visíveis nas ruas. O olhar das pessoas mudou diante de um cadeirante. Projetos estão sendo patrocinados, convênios estão sendo firmados, o tema ganhou força nas plataformas políticas, a publicidade acordou para o assunto. É o "efeito Luciana". A novela nos economizou pelo menos dez anos de trabalho.

FOLHA - A Luciana era rica, contava com equipamentos de alta tecnologia. Você teve a mesma realidade?
FLÁVIA - Não, especialmente no início. Morava em Santos na época do acidente, não tinha carro e vinha de ambulância a SP para me reabilitar na AACD. Mas foi importante que Luciana tivesse condições, pois assim a novela mostrou inúmeros recursos que a maioria não tinha conhecimento nem da existência. O acesso a esses recursos dependem muito mais da informação prévia e da criatividade de cada pessoa para adaptá-los à sua realidade. Mas o importante foi mostrar a evolução emocional, psicológica da Luciana, suas conquistas, seu reencontro consigo mesma, com a família, com o mundo. Esse processo é humano e está presente em todas as faixas sociais. Ela mostrou que os cadeirantes podem ter uma vida com alegrias e tristezas, dificuldades e soluções, descobertas, amor, filhos, realização pessoal, afetiva e profissional.

Fonte: Folha de São Paulo

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