sexta-feira, 2 de julho de 2010

Vuvuzelas do Pré-conceitos

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"Como sempre disse e repito, não há rampas que mudarão conceitos sobre a deficiência e sim, ações."
Amauri Nolasco Sanches Junior

Entre festejos de Copa e outras coisas (festas juninas), temos muito ainda o que fazer sobre conceitos errados sobre nossa condição de pessoa com deficiência física entre outras outras deficiências também. Há uma grande diferença entre os termos "preconceito" e "conceito", pois um pré conceito é uma visão pré concebida daquilo que criado para ser uma verdade, se torna algo rotulante. Por que rotulante? Verdades pré-estabelecidas de tanto serem repetidas, viram sistemas já configurados dentro da programação mental da sociedade vigente. Quer ver isso é só os "diferentes" sairem de casa e fazer o que as pessoas - ditas normais que fazem tudo o que as "outras" fazem sem serem vigiadas - fazem e são rotuladas como incapazes pela maioria.
Nesse dia 26 de junho de 2010, eu e a Marley fizemos dois anos juntos e queriamos olhar os móveis para preparar nosso casamento e chegando lá na loja das Casas Bahia do Shopping Aricanduva, entramos para pergutar e pesquisar os preços de cozinha e quarto (seria dormitório). Mas, como nada é perfeito, já na entrada o vendedor perguntou a minha noiva (Marley), se ela teria ido pesquisar celulares que já é caracteristico nesse perfil. Como disse, as pessoas fazem uma imagem da pessoa com deficiência fisica (principalmente cadeirante), meio - ou totalmente - infantilizada, por causa da associação entre nós e a imagem de seres indefesos que não sabem fazer nada. Por que uma mulher de cadeira de rodas, tem que necessariamente, comprar celular? Para mim isso caracteriza um conceito errado, sendo também caracterizado, descriminação por ela ser cadeirante.
Isso é uma anomalia dentro das inumeras éticas e culturas que nós, os ocidentais herdeiros da moral judaica-cristã, tem como discurso de normaiade e anormalidade. O filósofo francês Michel Foucault, dizia em seus escritos, que tanto o incluído (pessoa aceita) e o excluído (pessoa não aceita), depende muito do discurso social onde está inserido esse "indivíduo". Além do próprio discurso político onde uns são considerados "loucos" (que não seguem a moral e a "boa" conduta), outros são considerados "sãos" (que seguem a moral e a "boa" conduta). Por exemplo, todo mundo faz uma imagem que quem não gosta de futebol é mulher, que todo homem "tem" categoricamente, de gostar de futebol. Há nisso um forte apelo tanto machista - pelo fato de só a mulher não gostar de futebol e o homem não gostar de novela - quanto a ideia de "verdades" já mentalmente concebida pela sociedade a anos ou séculos. Não há como sair, mas eu tenho todo o direito de não gostar, mesmo que me torne para essa sociedade, um louco que não gosta de futebol, não gosta de novela e gosta de rock. Isso. mais ou menos, é o que fala Foucault no seu livro Ordem do Discurso que depende muito do discurso social onde existe a vontade de uma verdade - mesmo que essa não exista - de convencer o "outro" de coisas que a maioria acredita.
Não devemos nunca desprezar essa "maravilha" de pensamento de Foucault. Por que? Como um homossexual, um filósofo que por muito tempo, estudou a situação dos marginalizados da sociedade vigente (no caso do louco e do carcerário que são "excluídos") viveu aquilo; como exemplo de algo maior que é a arrogância humana, que devemos sempre seguir o que a maioria segue. Quantos morreram por não seguir aquela fé ou aquele pensamento no qual todos acreditavam? No mais, o vendedor que fez essa pergunta a Marley e desprezou sua potencialidade como uma consumidora e cliente, é apenas mais um escravo do pensamento do senso-comum. Nada mais é do que o reflexo de uma sociedade hipócrita que vê as pessoas com deficiência com um "ar" de infantilidade perpétua, com um desprezo enorme que ali naquela cadeira de rodas, está a criação da vida e um ser humano. A vontade da verdade de Foucault, está correta no contexto sociológico, a linguagem reflete o pensamento onde somos julgados e sentenciados por não sermos iguais o que a maioria imagina, o que a maioria tomou como padrão de beleza e de corpos para serem clientes e consumidores. Não é só isso, ninguém aceita idéias contrárias aquelas que acredita, pois sempre vai ser aquela crença que determinará o que podemos ou não fazer e se eu vou reprimir ou não, a minha vontade sobre aquilo. Quem vai determinar, para mim e para a Marley, se para ter os móveis tem que averiguar a casa para comprá-los?
O próprio segmento nos despreza por ter essas idéias, por escrever sobre autores e sobre situações que realmente, assim dizem, não vivemos. Mas isso que estou relatando é verdade, pois gosto de ler e escrever, mas não transformo meu blog em diário - que nada tenho contra, mas é um "porre" ler esse tipo - como se a minha vida tem que ser exposta, para mim ter crédito daquilo que escrevo, como o deficiente fisico, seja aquele cara que tem que matar um leão a cada dia para "provar" algo. Por que tenho que provar algo? Por que tenho que esconder que leio filosofia? Por que tenho que falar que a "Luciana" da novela Viver a Vida, foi um "marco" para a causa da deficiência? Aliás tem duas coisas ai: primeiro, vejo esse personagem vulgar, mimada, babaquinha e sem graça; segundo, que no meu vocabulário não existe "tenho que" que é equivalente a o "tu deves" de Nietzsche (tudo bem, cometi o sacrilégio do segmento e mais uma vez citar um filósofo, perdão pelo pecado!). Talvez esteja errado, talvez certo, mas nunca irei esconder o que penso e sei por causa de "meia dúzias" de mediocres que me põe como apenas no âmbito de filosofar e nunca viver aquilo por completo. Eu e a Marley vivemos isso do vendedor a distância, virtualmente, ou fomos até o Shopping Aricanduva e aconteceu esse determinado fato? Será que estudei todos esses anos no mundo virtual? Será que a Marley vai estudar a distância esse segundo semestre?
Lembro que um homem sábio da Galiléia disse para não julgar para não ser julgados, pois na mesma convicção que julga, será julgado no mesmo patamar. Será que posso julgar aqueles que nos julgam incapazes ou aqueles que criticam o que faço na mesma proporção que sou julgado? Na lei universal sim, mas não vou perder meu tempo com mazelas humanas e mediocres e sim, algo que realmente, ajude o segmento a crescer e não ser tratado como criança e eternos "excluidos". O próprio deficiente se sente excluido e se exclui, por causa do seu sentimento de inferioridade no qual se encointra e por acreditar em todo mundo que lhe põe numa condição de incapaz. Sendo assim, todo mundo nunca saberá que ele sofre, ama, deseja e tudo mais, por se sentir dependente; mas por outro lado, nunca na história da humanidade, um ser humano foi totalmente independente do outro, é uma falácia. Diante de tudo isso que nós passamos (eu e a Marley), diante de todas as criticas que nós recebemos (por não escrever nem o que o segmento gosta e nem a palavra de Deus), acreditamos que não vivemos numa democracia e sim numa ditadura; uma ditadura verbal que domina pelas palavras e não pela força, que domina pelo medo (no caso da religião) e não mostra a beleza de viver hamoniosamente, sem medos ou "problemas". Qual o problema de duas pessoas com deficiência casarem?
Como sempre disse e repito, a Marley também diz, não há rampas que mudarão conceitos sobre a deficiencia e sim, ações. Não é pregar a palavra de "Cristo" e o que for, nem dizer pelavras "bonitinhas" para agradar, são ações que mudam um conceito irraizado dentro de um segmento inexistente. Dos 18 livros que vendemos, não sei se teve deficiente que comprou, a maioria não foi o segmento que comprou: Liberdade e Deficiência, é um livro que não foi lido pelo segmento e assim, ele não existe para nós, não existe como uma luta séria e eficaz. Diante daquilo que não existe, não se tem mais nada a se falar e assim, as Vuvuzelas do pré-conceito tocam sem parar.

Fonte: Ser um Deficiente

DEFICIENTE ALERTA foi criado para orientar,educar,protestar e ajudar todos com deficiência. www.deficientealerta.blogspot.com

Um comentário:

  1. Não sou deficiente, pelo menos eu acho que não! Mas tenho visto as mesmas situações aqui postadas, pois tenho amigos e parentes que possuem alguma deficiência. Agora, você fez uma boa pergunta: “ Qual o problema de duas pessoas com deficiência casarem?”. Tenho visto que o preconceito vem (absolutamente) de todos os lados, a desinformação também! Acredito que nos todos temos que seguir em frente, com a cabeça erguida, mostrar que viemos para ficar, e ocupar o nosso espaço, como ser humano e como cidadãos. Fique embasbacado quem quiser ficar.

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