Suzana Vier, Rede Brasil Atual
Rubens Ascencio e Rogério Murari passaram no concurso da Companhia do Metropolitano (Metrô) de São Paulo para operadores de trem, em vagas destinadas a pessoas com deficiência. Também foram aprovados em exames médicos e laboratoriais, até que chegaram ao treinamento que permitiria a realização do sonho, especialmente de Rubens, de trabalhar no Metrô de São Paulo. Foram 90 dias de preparação e mais 20 de espera até a notícia da demissão. Estranhamente, os trabalhadores foram demitidos pelo Metrô pelo mesmo motivo pelo qual foram contratados: por serem portadores de deficiência. “Fico revoltado porque questionei o médico e ouvi dele ‘essa vaga aqui é exclusiva para deficiente’”, protesta Rubens, em entrevista à Rede Brasil Atual. A admissão ocorreu em 18 de janeiro, e a dispensa, em 24 de junho.
“Como abrem vaga para deficiente e nos demitem por sermos deficientes?”, indigna-se. Quando foram demitidos, Rubens e Rogério ouviram do Metrô que não atendiam a necessidade de rapidez para a função.
Parte da decepção dos trabalhadores se deve ao fato de terem deixado empregos estáveis para atuar no Metrô. “A funcionária do RH (departamento de recursos humanos) me disse ‘está tudo certo, o senhor já pode pedir demissão’”, lembra Rubens, que era funcionário de uma indústria em São Bernardo do Campo (SP).
“O médico deveria nos avisar se éramos compatíveis ou não com a função”, critica Rogério. “Isso é muito incoerente”, condena o trabalhador. Na visão deles, a área médica ou o próprio setor de recursos humanos da empresa deveriam ter avaliado previamente se o trabalho de operador é compatível com a deficiência dos trabalhadores.
Sem acessibilidade
Os dois trabalhadores, portadores de sequelas de poliomielite, consideram que o grave erro do Metrô de São Paulo é não oferecer condições de receber trabalhadores com certos tipos de deficiência. Durante o treinamento, eles tiveram de subir e descer escadas, andar por longos trajetos e participar de todas as atividades de formação “em pé de igualdade” com os outros operadores de trem. Para eles, foi o início da discriminação. “O treinamento foi puxado, porque fizeram tudo para pessoa que não tinha deficiência nenhuma”, condena Rubens, que usa aparelho ortopédico na perna e caminha com bengala de apoio.
Além do constrangimento de não serem esperados pelos instrutores para começar as aulas, porque demoravam mais que os colegas durante os trajetos internos da empresa, os trabalhadores demitidos ouviam comentárias preconceituosos, como “o que o usuário vai falar ao ver operadores assim. Vão ficar com medo de entrar no trem”, conta Rubens.
“Era um constrangimento ficarmos para trás. Não havia condições à altura da situação”, avalia Rogério. “Sofremos pressão, e o processo de decisão (pela demissão) foi obscuro”, lembra o trabalhador. “Não tivemos chance de dialogar. Nos chamaram e nos demitiram”, completa Rubens.
Na avaliação de Rubens, operar trens não seria problema para eles. A linha azul, que liga as estações Jabaquara e Tucuruvi, tem trens totalmente computadorizados, em que os operadores permanecem para garantir providências em caso de pane. Os carros alinham-se à plataforma e abrem e fecham portas automaticamente.
O mais difícil, segundo ele, é ter acesso ao pátio de manobras, uma espécie de estacionamento de trens que fica em meio de túneis, entre estações, utilizado quando os trens têm problemas e onde é necessário passar por passarelas bem estreitas. “O operador que não tem deficiência já tem dificuldade, para o que tem a dificuldade é maior. Mas durante o treinamento, eu fui”, comenta Rubens. “Eu consegui atuar como operador do meu jeito”, avalia.
Processo
Os trabalhadores decidiram mover um processo contra o Metrô solicitando a reintegração ao quadro funcional, além de indenização por danos morais sofridos durante o treinamento e pela perda do emprego. “Brincaram com nossas vidas, fomos expostos a situações vexatórias e depois dispensados”, acusa Rubens, que após a demissão ficou várias semanas sem dormir.
“Eu só chorava e não dormia”, relata. “Psicologicamente, você não faz ideia do que eu passo. É muito constrangedor aos 47 anos, com família para cuidar, passar por essa reviravolta e terminar desempregado”, resume Rubens.
De acordo com Flávio Godói, diretor do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, o Metrô comete um grande erro ao abrir concurso para trabalhadores com deficiência sem estipular o tipo de deficiência que se aceita ou não. Ele afirma que o sindicato tentou negociar a realocação dos trabalhadores para outra função, para evitar as demissões, mas a empresa não aceitou.
“Entendemos que o Metrô poderia aproveitar a pessoa que passou no concurso em outras áreas, de forma muito tranquila para todas as partes, até porque é muito difícil passar no concurso do Metrô. Então, estamos falando de pessoas bem preparadas”, relata o sindicalista.
Segundo Almir de Castro, diretor dos Metroviários que acompanhou o treinamento dos operadores de trem, “o Metrô teve oportunidade de dizer para eles que não seriam operadores, mas deixou o barco correr até chegar a esta situação difícil”. “A situação deles realmente foi constrangedora”, interpreta o diretor.
Fonte: Rede Brasil Atual
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