quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Mais uma primavera de lutas

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Comentário de Adriane Lage, tetraplégica, sobre "Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência"
Adriana Lage

No dia 21 de setembro, comemoramos o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. Dizem que essa data foi escolhida por causa da chegada da primavera. Seria um marco para que a população se lembrasse das pessoas com deficiência e promovêssemos nossa visibilidade social. Só que, ainda hoje, algumas flores teimam em não florescer, tornando gris e densa a paisagem.
As conquistas, ao longo dos anos, foram enormes em nosso país. Embora a grande maioria das leis não seja respeitada, contamos com uma legislação bem moderna nesse ponto. Avanços como a "Lei de Cotas"; o "Passe Livre"; o Decreto Lei 5296/2004 que regulamenta e estabelece prazos para que a acessibilidade saia do papel nas diversas áreas; a Resolução 009/2007 da ANAC que estabelece, dentre outras coisas, o atendimento e direitos dos passageiros com deficiência, isenções de impostos na compra de veículos, preferência na aquisição de moradias populares, etc. Mas é inegável que as pessoas com deficiência ainda sejam praticamente invisíveis perante a sociedade. Tenho um primo deficiente que nasceu com as pernas viradas para trás e sem os dedos das mãos. Conversando esses dias, ele me disse uma coisa que faz sentido: as pessoas com deficiência são cobradas em tudo, mas precisam ser sempre melhores que os outros "normais" para que tenham algum valor. Os direitos, embora sejam os mesmos, muitas vezes são violados.
Mas, na hora de conseguir uma colocação no mercado de trabalho, uma carteira de habilitação, um namorado... O grau de exigência costuma ser bem maior. Eu me lembro de uma cliente que atendi no banco há tempos atrás e que me deixou bem triste no dia. O banco estava lotado, pois era final de ano e estávamos em campanha de recuperação da inadimplência. Ela queria furar fila, já que me entregaria apenas algumas folhas e pediria uma explicação rápida. Mas não quis atendê-la antes da hora. Ela, muito furiosa, foi até o gerente e começou a reclamar, falando que era um absurdo colocar uma aleijada mole e incompetente para atender pessoas. O gerente veio atrás de mim para que eu explicasse o ocorrido. No final das contas, ele me pediu desculpas, deu um puxão de orelhas na cliente e a atendeu. Só que não aceitei aquele fato. Ao olhar rapidamente a documentação para o gerente, notei que faltava um documento. Deixei passar batido, de propósito, para que a mulher tivesse que voltar ao banco. Na semana seguinte ao ocorrido, liguei para ela e marcamos um horário para finalizarmos a liquidação da dívida. Nesse dia, falei demais na cabeça da mulher. Expliquei a ela uma série de coisas, inclusive que discriminação é crime. A mulher ficou toda sem graça, me pediu uma série de desculpas, e, dias depois, ainda me trouxe uma caixa de bombons. Pelo menos, essa pensará duas vezes antes de falar pelos cotovelos...
Ainda hoje, algumas escolas ignoram e se recusam a aceitar alunos deficientes - mesmo sabendo que isso é crime!! Há 30 anos, meus pais tiveram dificuldades em encontrar uma escola para mim. E olha que na época eu ainda andava de muletas... Quando me tornei cadeirante, aos 12 anos, tentei estudar num colégio de freiras, muito antigo e bem conceituado aqui em BH. Passei na prova de conhecimentos, mas, em seguida, as freiras chamaram meus pais e disseram que não achavam boa idéia uma cadeirante por lá, já que a escola não tinha acessibilidade. Minha mãe e minha irmã estudaram lá e sempre me disseram que passando pela área das freiras havia rampa de acesso. Elas se negaram a me receber. Criaram tantos obstáculos que desisti de estudar lá. Em compensação, fui estudar no CEFET/MG. Lá fui muito bem recepcionada. Onde não existiam rampas e banheiros adaptados, eles construíram. Eu me lembro que o coordenador do curso de Eletrotécnica estava doido para que eu optasse por esse curso, pois iria adaptar todos os laboratórios. Constantemente, ainda vejo casos de crianças sendo "convencidas" a procurar outro estabelecimento de ensino.
A tecnologia ajudou muito! Hoje, por exemplo, já contamos com computadores que permitem sintetizar voz, tecnologias assistidas que permitem mover as teclas com um piscar de olhos, professores mais capacitados e treinados (será?) e a obrigatoriedade da acessibilidade, lembrando que não se trata apenas da eliminação das barreiras arquitetônicas (escadas, piso escorregadio, calçadas sem rebaixamento, falta de sinalização visual e sonora, etc.) mas, também da quebra das barreiras atitudinais (preconceito, falta de conhecimento, o medo do desconhecido, a invisibilidade, etc.). Uma equipe da UFMG desenvolveu uma carteira universal que se adapta às mesas escolares e que já começarão a serem utilizadas pelos alunos mineiros: mais um grande avanço. Na minha época de CEFET e de faculdade, escrevia em cima do meu fichário, apoiado nas pernas, já que não tinham carteira. Hoje, mesmo que alguns não sigam os ensinamentos na prática, os professores recebem mais treinamento para lidar com as diferenças. Minha primeira professora era totalmente despreparada. Sempre me deixava sozinha na sala durante o recreio, nunca me deixava ir ao parquinho e, ainda por cima, sempre me esquecia pra trás, no escuro, quando acabavam as apresentações no cinema da escola. Nos meus primeiros anos de escola, fui vítima de bullyng e nem sabia que isso existia. Vários meninos puxavam meus cabelos, chutavam minhas pernas, ameaçavam levantar minha saia e também roubar minhas bengalas... Eu era um ET na sala de aula e os professores nunca mudaram isso. Sofri muito nesses primeiros anos escolares. Em compensação, em seguida, consegui me sobressair sendo uma excelente aluna, com direito a ganhar menção honrosa no CEFET e 5 destaques acadêmicos na PUC.
Alguns antagonismos ainda persistem. A Lei de Cotas obriga as empresas com mais de 100 funcionários a contratar deficientes, mas muitas vagas ainda estão desocupadas. A escolaridade da grande maioria dos deficientes ainda é baixa. De uns tempos pra cá, está melhorando muito, já que as escolas estão se tornando acessíveis e os meios de transporte também. O ensino à distância também colaborou para isso. Para terem uma idéia, trabalho em uma empresa com cerca de 80.000 empregados, dos quais apenas 500 possuem alguma deficiência. Conheço alguns deficientes que se aposentaram por invalidez e que não buscam um emprego com salários mais altos com medo de perder esse direito. Alguns não querem estudar, não trabalham e também não praticam esportes. Uns vivem de esmolas e de pequenos favores de amigos e familiares.
Se compararmos a situação atual com a década passada, nunca estivemos num momento tão bom! Os obstáculos e o preconceito estão se reduzindo gradativamente. Mas, ainda assim, uma parcela das pessoas com deficiência vive acomodada em sua zona de conforto. Não se arriscam e partem para esse mundo tão maravilhoso que vivemos. Querem que as coisas caiam dos céus. Tudo é difícil, é complicado... Sempre gostei muito de uma música do Lulu Santos que diz que viver a vida assim, sem aventura, é tolice. Concordo plenamente. Dá medo sair da zona de conforto. Mas, enfrentar o mundo é muito gratificante. Tenho vários amigos deficientes que são pró-ativos. Que arregaçam suas mangas e fazem a diferença no mundo. Aos poucos, a vida nos ensina como engolir sapos, aceitar as coisas sem se acomodar, a matar um leão por dia na luta por nossos direitos... No final das contas, ninguém tem a garantia que a vida será fácil; as dificuldades fazem parte desse aprendizado chamado vida.
Nosso país já consolidou sua posição de potência nos esportes paraolímpicos. As competições nacionais estão crescendo e trazendo várias possibilidades para as pessoas com deficiência. Recentemente, tivemos as Paraolimpíadas Escolares em São Paulo. Esse evento reuniu jovens atletas, estudantes de vários estados, para competir em diversas modalidades esportivas. Durante uma semana, esses jovens puderam mostrar todo seu talento esportivo, conhecer e fazer novos amigos, numa grande troca de experiências. O CPB (Comitê Paraolímpico Brasileiro) tem feito um trabalho de base bem interessante. Com certeza, o País fará bonito nas Paraolimpíadas do Rio. O esporte adaptado está muito mais acessível e seus benefícios para as pessoas com deficiência são inquestionáveis. Particularmente, acho o esporte viciante! É uma delícia, só lamento tê-lo descoberto tão tarde. Os médicos sempre me sugeriram nadar, mas só fui encontrar uma academia em 2007. Sempre fechavam as portas para mim. Meu técnico comentou comigo ontem sobre essa evolução. Ele sempre ministra cursos/palestras e fica surpreso com a reação de educadores físicos mais antigos ao verem vídeos de tetraplégicos nadando. Na época em que se formaram, isso era uma utopia.
Citei em um dos meus textos que não existiam motéis adaptados em BH. Minha amiga Telma, do blog BHLEGAL, me disse que existe um na Cidade Nova. Ainda não fui conhecê-lo, mas pelas fotos do site, parece bem legal. Felizmente, os diversos estabelecimentos comercias começam, cada vez mais, a nos enxergar.

Enfim, o caminho a ser percorrido ainda é longo, mas, sem sombra de dúvidas, estamos na direção correta!

Fonte: Rede Saci

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