quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Além da fronteira

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O Movimiento SuperAcción de Santa Fé, na Argentina, realiza a segunda edição da Passeata em prol das pessoas com deficiência


Entusiasmada com a passeata que o Movimento Superação de São Paulo realiza anualmente em prol do movimento socioinclusivo da pessoa com deficiência, a terapeuta ocupacional Pilar Nieva, de 25 anos, que nasceu e mora em Santa Fé, na Argentina, resolveu criar em sua cidade o Movimiento SuperAcción. A experiência deu tão certo que a ONG já realizou a segunda edição da passeata, no dia 24 de outubro deste ano. O evento reuniu mais de 300 pessoas pelas principais avenidas da pequena cidade argentina, que tem cerca de 500 mil habitantes.
Na entrevista a seguir, Pilar que é coordenadora geral do Movimento argentino conta como surgiu a ONG, como outras organizações que trabalham com pessoas com deficiência, governo e sociedade civil estão aderindo à iniciativa. Ela também discorre acerca da acessibilidade no País.

Como surgiu o Movimiento SuperAcción?

Pilar - Começarei pelo início da história, porque se não acharão que foi maluquice (apesar de que foi um pouco mesmo). Em 2006, conheci a galera do Movimento Superação de São Paulo na Reatech e gostei muito do trabalho deles, do jeito de pensarem e fazerem as coisas. Quando voltei pra Argentina achei legal montar um grupo como o SuperAção, já que aqui não tem muitas ONGs que trabalham na mudança de um pensamento, na sensibilização social. Continuei fazendo contato com o Billy, que é o presidente do Movimento aí no Brasil, pela internet e sempre foi num plano de brincadeira de que algum dia o dragão (símbolo de cor laranja do Superação) seria azul e branco, mas eu nunca imaginei que em Setembro do 2008 o Billy falaria serio e me faria a proposta de começar com uma passeata aqui em Santa Fé, que fica cerca 500 quilômetros ao norte de Buenos Aires. Aí juntei uma galera, alguns colegas da faculdade, outros que foram aparecendo, amigos de amigos, desconhecidos, foram chegando e somando. No dia 3 de Outubro de 2008 o Movimento SuperAção de São Paulo oficializou a filial Argentina que passou se chamar Movimiento SuperAcción. Então, começamos uma correria danada, porque queríamos fazer a nossa primeira passeata no mês de Dezembro. Foram 1 bilhão (literalmente) de e-mails trocados com o pessoal de São Paulo. Imagina, eu só conhecia a passeata por fotos, nunca tinha ido numa. Aqui, só eu conhecia o pessoal aí do Brasil. O resto da galera daqui nem sabia o que era SuperAção e tínhamos dois meses pra organizar a passeata! Mas tudo tinha que dar certo, porque nós queríamos muito começar fazer alguma coisa pra mudar o mundo, e sabíamos que a parceria ia rolar, quando se tem vontade sempre dará certo!

Como foi a participação do público no ano passado e neste ano?

Pilar - Santa Fé é uma cidade com cerca de 500 mil habitantes, não é muito grande. Na primeira edição juntamos por volta de 150 pessoas. Ficamos mais do que satisfeitos, porque sabíamos que tínhamos só dois meses e meio de existência, poucas pessoas tinham ouvido falar do SuperAcción e além disso, o dia estava nublado. Já na segunda edição o número de participantes dobrou, superando as nossas expectativas. O prefeito da cidade também compareceu e foi o nosso primeiro contato com ele como ONG. Nessa ocasião, aproveitamos para marcarmos uma reunião com ele já para início do próximo ano, e foi assim que começamos envolver a prefeitura nas nossas idéias. O público está começando a entender como o SuperAcción quer se manifestar. Foi uma festa mesmo, o pessoal dançou, brincou, riu demais! Infelizmente a Argentina tem uma história de manifestações sempre ligadas à violência, à reclamação, ao panelasso. Tentar impor um jeito de manifestação que esteja ligado à celebração, à arte, à alegria, que não seja pra reclamar de forma agressiva, sendo apenas para celebrar a nossa existência e mostrar a cara pra sociedade, é um desafio. Achamos que levaríamos muitas mais passeatas, mas não, as pessoas já entenderam nosso jeito, e a passeata foi uma festa!
Houve participação efetiva tanto das próprias pessoas com deficiência como das entidades que trabalham com esse segmento da população?

Pilar - No ano passado foi difícil chegar até as outras entidades. Elas tinham receio de que tirássemos o trabalho delas. Criticavam a influência de uma ONG brasileira aqui e talvez não acreditavam em nosso potencial por sermos todos jovens e sem experiência. Mas como nós somos muito pacientes, fomos conversando cada vez que podíamos com as diferentes entidades, enviávamos e-mails para quase todas elas de vez em quando, só para saberem que estávamos dando continuidade ao trabalho, que não foi só uma passeata, mas sim a primeira de muitas. Também deixamos claro que a intenção é somar, trabalhar juntos. Esse ano, várias entidades compareceram na passeata, não o tanto que gostaríamos, mas um bom número. Como fruto da passeata recebemos um convite da "União de Entidades" para participar de uma reunião de troca de idéias com todas as ONGs da cidade. Vamos chegando onde queremos chegar!

Como a inclusão social da pessoa com deficiência é tratada, tanto pelo governo como pela sociedade civil?

Pilar - Apesar de existir algumas leis que foram criadas pra exigir que pessoas com deficiência sejam incluídas no trabalho (só na parte pública é exigido) e nas escolas, na prática isso não acontece desse jeito e viram letra morta. Nos governos, tanto federal como estadual, ainda há pouca preocupação, e menos ação ainda, acerca da questão. A inclusão social da pessoa com deficiência não está ainda tendo a devida atenção. A Argentina está atrasada em matéria de respeito aos direitos humanos, e especialmente aos direitos dessa parcela dapopulação. O acesso ao meio físico, ao trabalho a reabilitação não é totalmente garantido.

Como é a acessibilidade em Santa Fé e em outras cidades da Argentina?

Pilar - Por sorte na Argentina começaram a pensar na acessibilidade há alguns anos, não muitos, mas pior seria nem terem começado, não é? Tem cidades como Buenos Aires que tem avançado muito na legislação e nas adaptações. Esse ano, aqui em Santa Fé, o prefeito assinou o "Plan de Accesibilidad Urbana", que também virou lei para que o projeto possa continuar mesmo após a mudança de prefeito daqui à dois anos, com as eleições. O plano, que envolve todas as áreas do governo, pretende adaptar gradativamente a cidade. Todo projeto que a secretaria de Esporte criar, por exemplo , tem que incluir as pessoas com deficiência. Esse ano, o torneio desportivo que sempre é realizado com as escolas da prefeitura, incluiu as entidades que trabalham com este público. Agora se uma escola pede um subsídio para arrumar alguma coisa, ou comprar alguma outra, para que o mesmo seja entregue, as adaptações no prédio precisam serem feitas antes. Estamos avançando muito, ano passado não se via rampa em nenhum canto, agora já existem até em prédios privados. Claro que ainda tem muito para fazer, e o mais importante é chegar até as pessoas, fazer com que entendam que a rampa é necessária para quem tem mobilidade reduzida poder entrar no prédio, ou subir na calçada, e não é pra eles colocarem o carro na frente. Tem muito mais pra fazer ainda no plano do acesso ao trabalho. Os empresários precisam ter consciência que se eles fizerem uma rampa na porta da loja, por exemplo, permitirá que mais pessoas possam entrar e comprar, e também que um cadeirante possa entrar pra trabalhar alí. Em SuperAcción sempre falamos que se nosso objetivo fosse lograr acessibilidade no meio físico até que seria super simples, pois pegaríamos as ferramentas e construíramos as rampas. Mas tem mais do que rampas pra se fazer, tem pessoas surdas que ficam excluídas em locais públicos porque as indicações são dadas pelo microfone, os cegos não desfrutam do cinema porque não tem audiodescrição, além disso, muitas escolas não aceitem crianças com deficiência e por aí vai. O mais difícil é acabar com o preconceito que ainda existe na sociedade. Nosso objetivo maior é ter um mundo igual para todos, e até conseguir isso, estaremos aqui!

As leis que defendem os direitos da pessoa com deficiência costumam ser cumpridas?

Pilar - Infelizmente há muitas pessoas que só atuam com a existência de uma lei que obrigue elas fazerem. Por isso, acho que lei também deveria obrigar as empresas privadas adaptarem seus prédios para pessoas com mobilidade e comunicação reduzida (em Santa Fé a obrigação é só para o Estado), e também acho que precisamos de uma lei de cotas que garanta às pessoas com deficiência o acesso ao trabalho. Estou ciente de que mesmo a criação de leis não será suficiente. Tem muitas pessoas com deficiência que não tem certidão (aqui, essa pessoa precisa ir à secretaria de inclusão para ser avaliada por uma equipe profissional, que após a avaliação emite uma certidão de deficiência. Nela, é indicado o tipo de atendimento e de reabilitação que a pessoa precisa. Esse atendimento tem que ser feito gratuitamente pelos convênios de saúde e se não tem seguro, o Estado tem que garantir. Essa certidão permite ao usuário receber passagens de ônibus livre dentro do país, medicação, cirurgias. Muitas pessoas ainda não conhecem sobre todos os benefícios que essa certidão oferece. Tem famílias que não sabem os direitos que elas têm, e conseqüentemente ficam excluídas da sociedade.

O que ainda falta para que a inclusão das pessoas com deficiência aconteça plenamente na sociedade argentina?

Pilar - A sociedade tem que começar a pensar que a inclusão não acontecerá apenas com a atuação do Estado, pois a inclusão depende de cada um de nós, todos temos que começar a pensar na deficiência como parte da sociedade, temos que incluir nos mecanismos sociais estratégias que permitam as pessoas com deficiência participarem. Temos que colocar a deficiência e a inclusão nos debates públicos, na agenda política e empresarial. Temos que em cada pensamento e em cada ato, ter presente o outro, como nós, pensar que o outro sou eu! Acreditamos que a diferencia é a coisa mais legal e mais comum entre as pessoas, temos que poder enxergar isso, olhar para o lado e ver aquele que antes era invisível. É preciso também que as pessoas com deficiência mostrem a sua cara, conheçam seus direitos, busquem informação, que não se conformem com a exclusão, que saiam de casa para o mundo, para a vida! Os direitos precisam ser iguais para todos, porque os deveres são. Como Movimiento SuperAcción sabemos que estamos no caminho certo!

Desde quando trabalha em prol da pessoa com deficiência?

Pilar - Sou formada em Terapia Ocupacional há um ano e desde a faculdade trabalho com pessoas com deficiência nos diferentes estágios, mas sempre fui preocupada e ocupada com questões que envolvem este público. Quando tinha 10 anos de idade reclamava porque as calçadas não eram acessíveis e também questionava o fato de na minha escola não existir colegas com deficiência. Quando comecei a faculdade minha preocupação era que dentro de um consultório não conseguiria fazer com que o paciente alcance a inclusão social. Além disso, meus atendimentos às vezes têm o limite da instituição onde trabalho, do horário de atendimento, da família, da sociedade. Fiquei revoltada e vi que desse jeito seria difícil trabalhar como terapeuta ocupacional - só das portas pra dentro. Então, comecei trabalhar mais na rua. Foi quando chegou a proposta do Billy e achei em SuperAcción o espaço que faltava, consegui complementar com a ONG meus atendimentos, tentar no espaço que o SuperAcción passou a me proporcionar mudar a sociedade, na qual incluirei meu paciente. Há quase dois anos trabalho com pessoas com deficiência visual num centro de reabilitação voltado para área da empregabilidade e percebo que o acesso ao trabalho, mesmo sendo um direito da pessoa com deficiência, é ainda o mais difícil de alcançar.
Fonte: Sentidos

DEFICIENTE ALERTA foi criado para orientar,educar,protestar e ajudar todos com deficiência. www.deficientealerta.blogspot.com

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