segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

A difícil missão de depender dos outros

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Texto narra as dificuldades de pessoas com deficiência física severa e sugere a contratação de cuidadores para auxiliar em tarefas cotidianas
Adriana Lage

Para quem possui uma deficiência física mais severa, é inevitável depender da ajuda de outras pessoas para realizar as atividades mais básicas do dia a dia. Por exemplo, para um cadeirante tetraparésico – que possuem uma perda significativa da força muscular dos braços e pernas – muitas vezes é necessária a ajuda de outra pessoa para fazer os deslocamentos da cadeira, ir ao banheiro, trocar de roupa, etc.
Normalmente, esse auxílio vem de casa. Na maioria dos casos, pra variar, é a mãe quem arca com essa responsabilidade. Minha mãe sempre brinca que nem sente meu peso aumentar, já que me carrega há vários anos. Fico impressionada com a força que muitas mães de pessoas com deficiência apresentam. Algumas vezes, acabam abrindo mão de seus sonhos para ajudar seu filho a ter uma vida mais tranqüila. Para elas, não tem tempo ruim! Seus filhos podem ser grandes, pesados, cadeirantes ou não, que lá estão elas, carregando-os para baixo e para cima, mesmo em uma sociedade que ainda não aprendeu a respeitar a acessibilidade.
O problema é que os familiares, muitas vezes, acabam se esquecendo que a velhice chega para todos, inclusive para os pais. Aqueles que antes eram fortes e invencíveis, agora apresentam lapsos de memória, já têm dificuldades para carregar os filhos, não possuem mais tanta animação... Nessa hora, surge uma pergunta cruel: e agora? Quem cuidará do meu filho? Querendo ou não, há coisas que só pai e mãe são capazes de fazer. Mesmo que se tenha irmãos, primos, uma família grande e muitos amigos, só o amor dos pais é capaz de tanta renúncia e dedicação;
Quando as coisas ficam complicadas e não existe nenhum familiar que possa arcar com esse ônus de auxiliar o deficiente, surge a alternativa da contratação de um cuidador. Ele é um profissional da área de saúde, que trabalha, geralmente, em plantões de 12 horas. Alguns cuidadores com quem conversei cobram, em média, R$ 60,00 por plantão.
O custo de um cuidador ainda é muito alto. Aqui em Belo Horizonte, o preço médio é cerca de R$ 1.500,00 mensais para um plantão de 12 horas diárias. As pessoas que possuem um poder aquisitivo mais alto costumam ter dois cuidadores, que se revezam entre os plantões. Mas, para a maioria dos deficientes, esse valor é totalmente inviável!
Tenho uma amiga cadeirante que possui duas cuidadoras. Como ela sofreu um acidente de trânsito, a empresa é quem paga o salário das cuidadoras. Ela sempre comenta sobre os prós e contras de se ter um cuidador. A principal vantagem é a independência. A partir do momento em que se paga por um serviço, o deficiente é quem decide o que e como será feito. Muitas vezes, a família acaba superprotegendo o deficiente e impedindo que ele tome as rédeas da sua vida. O cuidador nos traz mais autonomia e permite que as escolhas sejam nossas! Um fator negativo é a falta de privacidade. Como se trata de uma pessoa estranha, os primeiros dias são terríveis! É preciso aprender a conviver com o cuidador, ensiná-lo e descobrir junto com ele a melhor forma de realizar as atividades do dia a dia. Muitas vezes também é preciso engolir alguns sapos para se ter um cuidador ao lado.
Li uma reportagem da Revista Sentidos que citava o papel do cuidador na vida da pessoa com deficiência. Muitos acabam se tornando grandes amigos. Quando são de idades parecidas, vão junto para as baladas, viagens, etc. Ainda não tenho minha cuidadora, mas estou no caminho certo. No meu caso, o mais viável será transformar a faxineira da minha casa em empregada doméstica. No futuro bem próximo, ela será minha cuidadora. Enquanto isso vai aprender com minha mãe como me ajudar no dia a dia. Como trabalho 8 horas por dia, um cuidador sairia muito mais caro, já que ficaria ociosa a maior parte do plantão.
No final de outubro de 2009, minha irmã mais velha cismou de viajar e passar uma semana com minha mãe em Arraial da Ajuda. Eu fiquei totalmente em pânico quando descobri que ficaria sem minha mãe durante esse período. Minha irmã caçula sempre me ajuda, mas ela também trabalha e não poderia me ajudar a ir ao banheiro na hora do almoço. Tentei convencer minha mãe e minha irmã mais velha que eu passaria um aperto muito grande durante e a viagem delas. 2009 foi um ano bem complicado para mim. Perdi 3 familiares queridos, sendo uma delas minha tia que sofreu durante 4 meses com um câncer terminal. Ela ficou lá em casa durante esse período. Acompanhamos tudo de pertinho. Inúmeras visitas apareceram lá em casa. Passei o ano revezando com minha irmã caçula quem sairia do quarto para colocarmos as visitas. Quando minha mãe resolveu viajar, eu estava numa fase de grande stress e cansaço.
Quando notei que era voto vencido e que a viagem sairia de qualquer jeito, tentei convencer minha mãe a contratar uma cuidadora. Ela odiou a idéia. Acabamos nos desentendendo várias vezes por isso. Pelo sim, pelo não, comecei a pesquisar alguns cuidadores em BH. Cheguei a fazer entrevista com algumas, mas minha mãe foi totalmente contrária a idéia. Acho que ela se sentiu um pouco ameaçada...
Tentei explicar para minha irmã que eu seria a principal prejudicada da viagem. Mas até hoje não conseguimos chegar num entendimento. Ela me considerou imatura e egoísta por não querer ficar sem minha mãe. Em todos os momentos sempre disse que achava válida a viagem, que nossa mãe precisava descansar, mas pedi pra me deixarem com um suporte adequado. Minha mãe foi irredutível e pediu pra minha tia ficar lá em casa durante a semana.
Aos 45 minutos do segundo tempo, vendo minha preocupação na véspera da viagem, minha mãe concordou que a faxineira lá de casa fosse me dar um auxílio depois que ela saísse do trabalho. Foi minha salvação! Eu chegava do trabalho depois das 18 horas e ela me ajudava a tomar banho, ir pra natação, etc. Tenho um carinho muito grande pela Rose, à faxineira, e ela também gosta muito de mim. Se Deus quiser, a partir de janeiro, ela vai trabalhar direto lá em casa.
Minha tia não conseguiu me ajudar. Embora tivesse boa vontade, ela está bem debilitada fisicamente. Ela perdeu 3 pessoas queridas durante esse ano e acabou perdendo o gosto pela vida. Está muito desanimada. Como percebi que ela não estava dando conta, deixei pra ela me ajudar só mesmo na hora de ir ao banheiro durante o almoço. Mesmo assim, foi bem complicado. Acabei tendo que me virar sozinha e descobrir um jeito de tirar/colocar a calcinha praticamente sozinha. Para facilitar, usei só vestidos durante a semana. À noite e de manhã, minha irmã caçula me ajudava.
Foi uma experiência meio traumática, mas me serviu muito de aprendizado. Foi bom ter passado tanto sufoco para que meus pais percebessem que a idéia de uma cuidadora é válida e necessária num futuro bem próximo. Pena que minha mãe e minha irmã passaram uma semana de chuva na praia! Elas vivem falando que foi olho gordo... Tanto sufoco pra quase nada!
Tudo isso serviu pra me mostrar que é inevitável, no meu caso, depender da ajuda de outras pessoas. Não tenho como fugir disso...
Há um tempo atrás, eu ficava muito triste e envergonhada por depender da ajuda de outras pessoas para realizar coisas básicas no meu dia a dia. Hoje em dia, vejo que a vergonha e o orgulho não nos levam a lugar algum. Sempre existirá alguém com boa vontade para nos auxiliar. Desde pequena, meus pais sempre me ensinaram a correr atrás da solução dos meus problemas e a manter uma reserva financeira, pois, o dinheiro sempre acaba facilitando as coisas. Se não existe alguém que possa fazer o que você precisa, pague por isso!

Fonte: Rede Saci

DEFICIENTE ALERTA foi criado para orientar,educar,protestar e ajudar todos com deficiência. www.deficientealerta.blogspot.com

2 comentários:

  1. Sei bem do que você está falando, pois meu filho tem Distrofia Muscular de Duchenne e passamos por isso. É uma questão para as quais há poucas opções e nunhuma "solução" fácil. Fiz um post no meu blog com um link para esse texto http://adonems.wordpress.com/
    Trocar experiências é sempre reconfortante.

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  2. olá, adorei a matéria, já passei muito por isso.
    Antes tinha muita vergonha de pedir ajuda, hoje em dia se precisar eu peço mesmo e não me acanho não.
    E essa parte da calcinha foi otima, tb ja vivi isso, sabe a solução que encontrei? Puxo a calcinha para o lado e não tiro não...depois dá um trabalhão pra por de volta, pelo menos de ladinho é so ajeitar no lugar depois...rsrss

    bjosss

    Sheyla

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